Era setembro de 2021, quando iniciei o detox social e confrontei gatilhos que pareciam a rota perfeita para o isolamento, solidão e alienação. Antes de ocultar minhas redes o questionário das plataformas foi super confrontador: “Tem certeza de que você quer ficar sem redes sociais?”, “Alguma destas pessoas lhe incomoda?” – apontando fotos de familiares e amigos, “Você pode se arrepender, que tal apenas deslogar?”.
Falando por mim, apagar estas arrobas e feeds deu alívio. Me senti feliz, sem amarras, compromissos de consumo e, principalmente, sem desculpas e perda de tempo para me comprometer com planos que eu sempre ensaiava e nunca cumpria: dormir mais, acordar cedo, malhar, pedalar, ser mais focado no trabalho e ver – de fato – as pessoas que gosto.
O que aprendi sem redes sociais?
Abaixo o que aprendi nestes mais de 2 anos sem as principais redes sociais:
01. Anotar o aniversário das pessoas 🎂
Como marcas que propagandeiam e avisam que condições imperdíveis estão chegando, meu círculo de amizades fazia isso com os respectivos aniversários. Isso me ajudava muito a saber quando enviar emoji de palminhas. Sem essas “sutis” dicas das redes, vi que não sei a data de aniversário de quase ninguém. E tá tudo certo: Google Agenda é sucesso: hoje as pessoas que quero parabenizar, a agenda me alerta e eu ligo (sim, anos 2000) para elas.
02. Saúde mental pode ser sinônimo de alienação 🧘🏻♀️
Sabe aquela sensação de não saber a última que o deputado “x” disse? Ou qual foi o pronunciamento pós-cancelamento de um influenciador? É, então, caímos num vórtice de consumo desenfreado sobre mil assuntos que (1) não precisamos saber e (2) pode ser extremamente nocivo para nossa qualidade mental. Se não estar sabendo sobre exatamente tudo – do inútil ao “útil”, do meme ao que transita na câmara – é alienação, pessoalmente prefiro isso do que ter minha cabeça a milhão e dispersa.
03. Menos tempo de tela = mais tempo de vida Presencial 📵
A gente normaliza ser uma das nações mais conectadas e com maior tempo de tela do mundo. Mais de 9 horas diárias sem redes sociais faz você abrir mão de muitos planos e afazeres do dia a dia. Não é o Waze ou Spotify em segundo plano, é a gente dando scroll em memes, desafios, threads e tretas do digital e se aprofundando em teias de temas que acabam nos deixando com pouco tempo para focar na reunião, encontrar aquele amigo, malhar ou preparar uma boa refeição. Lembro que antes de dormir eu caia em baits de brigas em comentários de rede social e, no fim, estava vendo o arroba do sobrinho do primo da pessoa que comentou – e eu sei que não sou o único, tá tudo bem você ter se identificado com isso, tem até meme sobre esse comportamento já.
04. Não compartilhar não te faz registrar menos 🤳🏽
Não ter com quem dividir não diminui nossa perspectiva de querer eternizar e registrar as coisas. O que mudou em mim com essa falta de upload foi uma menor preocupação com ângulos alheios. Das minhas viagens, rotinas, eventos e afazeres, o meu rolo de câmera segue cheio e eu fotografo para me lembrar e acessar depois, eventualmente compartilhar com amigos e familiares – mas de outra forma, sem tantos filtros, entrelinhas e mensagens subliminares. A foto geralmente não vem carregada de indireta ou 3 camadas que mudam a cor do céu, é só a mídia mesmo.
05. Tem algoritmo que vale alguma coisa 🫰🏼
A rede social que acredito ter reflexo na minha vida offline é o LinkedIn. Ali a vitrine – apesar de algumas vezes também piegas e tóxica – é nichada para o trabalho, onde a sua construção e visibilidade podem gerar frutos como remuneração e oportunidades reais de carreira. Outras redes sociais também? Sim, mas mais pautadas para o universo creator, comércio e marcas.
06. Diminuir view não altera engajamento 👀
Stories que ultrapassam 600 visualizações e publicações que sempre superam 100 likes não são sinônimos de um grande círculo social. Views no social não alteram o engajamento da vida offline. A sensação de pertencimento se estabelece, mas não ter isso no dia a dia só tira a cobertura de glacê irreal da vida, porque desde minha ausência nas redes sociais, eu continuei interagindo, saindo e falando com o mesmo número de pessoas que mantinha contato enquanto era ativo nos feeds. Nossa vida social – se você não é uma figura pública – é mais restrita e, com ou sem feed, as amizades que de fato você tem, sobrevivem muito bem sem redes sociais.
07. Não se vê, não se sente 🙈
Sei que a frase tem o estilo Paulo Coelho/Pensador mas é uma máxima. Milhares de estímulos diários dão vida a uma velocidade insana de acontecimentos e eventos: todo mundo viajando, comendo fora, posando numa varanda com uma taça de vinho ou gargalhando com amigos num gif vertical. Não me senti peixe fora d’água de nenhum evento social (tudo bem que eu nunca fui um super frequentador) pelo simples fato de eu não observar através da perspectiva voyeur que a rede nos dá. Sem muito parâmetro ou estímulo que provoca essa competitividade, nossa rotina fica mais confortável.
08. Saudade stalkeada não é saudade 🥸
Uma coisa que mudou drasticamente sem redes sociais foi minha forma de expressar a saudade. Antes, quando eu sentia saudade de alguém, stalkeava e pronto, esse acesso já sanava muito do sentimento, às vezes, nem era necessário entrar em contato – já tinha visto tudo. Hoje, se sinto saudade, não tenho nem como stalkear ou ter ideia de como as coisas estão (pelo menos nos perfis fechados), então preciso encontrar as pessoas para me atualizar de verdade e sem redes sociais.
E aquele papo do fake?
Durante o primeiro ano sem redes, eu não tive nenhuma arroba ou perfil paralelo. Mas ao decorrer do tempo e recebendo diversos links de amigos e times de trabalho, a UX de abrir isso num navegador era péssima.
A certa altura, decidi que precisava ter pelo menos um fácil acesso. Queria voltar ao clique, mas não à dinâmica. Até a escolha do nick do meu arroba foi “qualquer nota”, eu não queria nenhum nível de customização ou entrega ali. Criei uma conta que não segue ninguém e não produz nada. Meu feed é composto por 1 anúncio que troca de tempos em tempos, entre tênis e vinho – o que já diz algo sobre mim.
Além do trabalho, uso o fake para stalkear restaurantes e eventualmente, em algum horário do dia, para dar scroll no que está em alta no geral, e parece que os mesmos hábitos e dinâmicas vão se repetindo num leve facelift, se o #tbt é antigo – quase cringe – agora vamos de photo dump, as “novas dinâmicas” são sempre meio iguais.
A ilusão de conexão e necessidade das redes é o marketing mais bem sucedido da história, é o que nos mantém ávidos 24/7, consumindo e achando que isso é extremamente normal e sem efeitos colaterais.
Acho que não devemos ignorar que as redes sociais – apesar de todo um mundo novo e cheio de riquezas que se destrava, também vem com side dishes como depressão, ansiedade, insônia e tantas outras paranoias que só vamos entender melhor anos e gerações a frente.
Se você tiver a possibilidade de desacelerar, ficar sem redes sociais e fazer um experimento assim, este tipo de detox vale muito a pena para renovar perspectivas e a relação com o digital.
Parabéns pelo artigo!