Nunca ouvi essa frase de qualquer dos clientes com quem trabalho há décadas. Nem tampouco de algum profissional do mercado ou de pessoas com quem eu trabalho diretamente. Eu mesmo me atrevi a escrevê-la somente agora.
Mas todos nós conhecemos muitas ideias e desejos que dificilmente pronunciamos. Barreiras, recalques, vergonha, patrulhas são alguns dos “mata-burros” que nos impedem de contar o que sentimos.
Porém, posso garantir sem correr grandes riscos, que essa frase está presente na consciência de quem tem algum afeto ou responsabilidade pela marca que construiu ou gerencia. Afinal, quem não gostaria que a marca de sua empresa ou dos produtos de seu portfólio tivessem uma conexão tão intensa, tão permanente e tão emocional com seus clientes e consumidores como é a conexão entre um torcedor e seu time?
Desde que o filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) nos mostrou, com muitas evidências, que a sociedade contemporânea é dotada de volatilidade, de uma “modernidade líquida”, compreendemos porque as relações são tão tênues. Afinal, vivemos sob a égide e o primado do provisório em oposição a compromissos definitivos.
Mudamos de profissão, mudamos de casamentos, de estado civil, de escolhas acadêmicas, mudamos de cidade, de país, as identidades de gênero vivem flutuando, mudamos de religião…
Há não muito tempo , vi o resultado de um estudo do Datafolha indicando que de 1994 a 2023, os que se declaram católicos passaram de 75% para 46%. No mesmo período, os evangélicos saltaram de 14% para 27%.
O que me chamou ainda mais minha atenção foi como a preferência entre brasileiros, às vezes uma autêntica reverência, ao time de futebol do coração não se altera. A tabela fala por si.
Esses números fazem o seguinte alerta aos que demonstrarem algum comportamento “líquido” de mudança de preferência: ai de você se mudar de time de futebol. Quase todos já ouviram o anátema contra os que quebraram seu compromisso com o time preferido: “você é um vira-casacas”. Nem na era da modernidade líquida essa permissão existe.
E não vale dizer que essa conexão quase indestrutível é assim porque começou muito cedo em nossas vidas. Porque ela teria sido plasmada pelos laços iniciais que constituíram nossa personalidade. Quantas outras coisas começaram muito cedo também e deixamos de lado mais tarde.
Não quero me aventurar nesse território misterioso do vínculo indestrutível do torcedor com o seu time. O que me apaixona é mais o mistério que está na tabela do que sua explicação. Como nos ensinou Max Weber (1864-1920), a elucidação do mistério desencanta o mundo.
Nessas alturas do campeonato, vocês já devem ter imaginado o porquê dessa volta que eu dei, já que o mundo onde eu habito profissionalmente é o da construção, gestão e posicionamento de marcas no mercado. Aquilo que, enfim, se decidiu chamar de branding.
O título do artigo, como eu já afirmei, nunca ouvi de ninguém repetir. Mas a vontade, a comichão que nos dá, é conseguir formular essa mesma magia nas relações entre consumidores e marcas. E fazer com que essa “alquimia” crie defensores, aliados permanentes da marca. Mas, mesmo as empresas e marcas mais célebres não são capazes de fazer isso. E fiquem tranquilos, ainda que você abandone essas marcas charmosas por uma outra, ninguém vai te chamar de vira-casacas. No futebol, não, mas nos mercados onde estamos, somos seres livres para exercer a nossa liquidez. Com marcas, sempre temos muitas e boas desculpas para trair a preferência original. No futebol, nunca, mesmo que o time vai mal no campeonato e não engrenou no campeonato seguinte. Vale até uma confissão: sou corinthiano desde que me conheço por gente e quando ele caiu para a segunda divisão meu sentimento como torcedor cresceu. Foi aí que os corinthianos assumiram o ser corinthiano roxo de forma ainda mais explícita.
Na minha história, como profissional de branding, a meta que tenho como ponto de referência é a construção desse mistério encantador entre marcas e pessoas. Mesmo sabendo que isso nunca acontecerá, mesmo sabendo que em branding estamos condenados à liquidez, o sonho ainda continua. E é a intensidade dessa permanente busca que faz com que as marcas sejam sempre mais importantes para os consumidores e ferramentas de negócios para seus detentores.