Apesar do título, continuo escrevendo sobre os mesmos temas: o papel que as marcas têm em nossas vidas e na vida das empresas. Vocês hão de perceber na sequência.
Trata-se de algo que aconteceu há vários anos, mas poderia ser hoje, de novo. O protagonista da história que vou contar foi o Fernando Jucá, um profissional fora de série, que tivemos o enorme privilégio de ter sido um dos diretores de nossa empresa. E que segue sendo um grande e caro amigo. A seguir a história contada e interpretada por ele.
Ele foi a Chicago para um curso de branding na Kellogg School of Management. Como chegou antes do início do curso, para aproveitar o tempo, fez alguns programas. Um deles foi visitar o espetacular Shedd Aquarium. Um desses aquários que muitas cidades se orgulham e se arvoram em dizer que é o maior do mundo. Aliás, já notaram isso? Nunca estive lá, mas tudo indica que é mesmo fora de série.
O Jucá queria muito conhecer a tal baleia que lá se hospedava. Subiu num elevador, cheio de crianças ao redor dele. E já imaginou o que se passava na cabecinha delas: ver esse maravilhoso cetáceo, um mamífero aquático que só se vê nas aulas de biologia e nos filmes. Parou o elevador, saíram todos. Imaginem o Jucá preocupado em competir com todas as crianças para ver o animal, depois de 8.000 quilômetros de viagem.
Surpresa! O batalhão de crianças saiu saltitante na direção oposta. Ufa! Lá foi ele, sem congestionamento, ver o cretáceo.
Os dois primeiros sentimentos que ele nos relatou. A grandiosidade do animal à sua frente de corpo inteiro, algo que todos deveriam ter o direito de ver uma vez na vida. E o segundo sentimento: com essa maravilha da natureza, porque a garotada iria em busca de uma outra coisa, sem dúvida, menos importante? E ele falando pra si mesmo: “Criança é um bicho bobo, mesmo. Trocar essa baleia por qualquer outra bobagem”!
Intrigadíssimo, decidiu ir em busca da garotada. Não muito longe dali, reencontrou o grupo, amontoado ao redor de um outro aquário. E quase todos, em uníssono, berrando freneticamente: “Nemo! Nemo! Nemo!”
Mais inconformado ainda, com essa suposta ingenuidade da criançada, voltou para o elevador e desceu.
Não lembro quando exatamente, mas pouco tempo depois de descer, ele me contou que seus olhos brilharam: Eureka!
“Ingênuo fui eu! Porque as crianças, muito mais lúcidas que eu, fizeram algo que só o espírito mais livre e inquieto é capaz de fazer.” E aí veio a explicação, que somente alguém com a mente luminosa como a do Jucá é capaz de construir: “As crianças, sabiamente, trocaram algumas toneladas de commodity por 3 centímetros de marca. Bicho bobo sou eu!”
Eu me lembro de ter dito algo assim para ele: não sei se o curso na Kellogg foi bom, mas a primeira aula quem deu foi você. Essa história é inesquecível, por algumas razões muito especiais.
Porque é uma das formas mais inspiradoras de se compreender a força que algumas marcas têm para gerar poderosos laços de encanto e envolvimento.
Em segundo lugar, porque o valor de uma marca está muito menos ligado à materialidade do produto do que se pode imaginar. Sem a cultura e mitologia que se criou ao redor deles, Nemo e Dory seriam apenas peixes. Branding, quando bem conduzido, é o que transforma produtos em algo que transcende o seu valor físico. É o que faz peixe virar Nemo e Dory. É o que transforma arroz em Sepé. Transforma café em 3 Corações. Transforma chocolate em Garoto. Transforma transporte em Águia Branca. E tantas outras “mágicas” como essas. Em outras palavras, branding é quem é capaz de criar percepções e sentimentos diferentes para coisas que, física ou tecnicamente, são muito parecidas entre si.
Jucá, muito obrigado pelo grande ensinamento dessa verdadeira parábola! E desconfiem sempre de conclusões precipitadas sobre supostas ingenuidades infantis.