Quem vai ao SXSW costuma reforçar o discurso de como a tecnologia, a inovação e a visão para o futuro pautam a agenda e o foco da visita a Austin. Repostamos Amy Webb, Scott Galloway e Sandy Carter buscando entender, dividir e mostrar conhecimento adquirido sobre inteligência artificial, computação quântica, realidade virtual e tantas outras tendências que vão mudar o mundo, acreditamos.
Mas, na prática, é fácil perceber como a gente ainda é desesperado para entender melhor e mais profundamente o elemento mais primitivo possível: o relacionamento entre nós, humanos, tanto com o outro como internamente. A busca, a adoração, as filas intermináveis e até mercado paralelo de pulseiras VIP para ver figuras como Brené Brown e Esther Perel mostra claramente como fazemos questão de ouvir sobre nós mesmos, numa espécie de terapia coletiva, sem filtros tecnológicos ou sociais. E no SXSW 2024, Jay Shetty entrou para a lista de queridinhos do evento nesse quesito.
Londrino, Shetty virou um fenômeno do podcast pelo tom suave, carisma e assunto que mesmo quem diz não gostar publicamente, consome (ou pratica) nos bastidores: relacionamentos. A lista parruda de convidados de “On Purpose”, com nomes como Oprah, Selena Gomez, Kim Kardashian e Kobe Bryant, só reforçaram o caminho e a atração da audiência. Afinal, se Oprah quer ouvir o que esse cara tem a dizer sobre o assunto, quem sou eu para não querer?
O tema de sua palestra, “I miss you when you’re next to te” (“Sinto sua falta quando você está perto de mim”, em tradução livre), já era sedutor o suficiente. Afinal, quem não se irritou ao menos uma vez, nesta última semana, com seu parceiro, colega de trabalho, amiga, filho ou qualquer um que preferiu o celular a uma troca mais direta e humana? Ou fomos nós nesse mesmo papel?
“É fascinante como a gente, muitas vezes, divide com alguém o mesmo espaço, a mesma mesa, a mesma cama e, mesmo assim, se sente sozinho”, provocou Shetty. E não estar sozinho é, sim, o que a maioria procura (literalmente). Segundo ele, o termo mais buscado no Google após “will I ever” é… “find love?”. “Temos uma palavra só para amor, mas muitos significados. E não interessa em que momento você está: o que sabemos é que não queremos ficar sós. A gente é treinado para sentir como estar sozinho não é bom”, completa.
A principal tese da apresentação do podcaster, em cerca de 40 minutos de conversa franca com os espectadores, é que, mesmo que tentemos colocar a culpa na falta de tempo, não é ela que nos afasta de quem amamos, mas sim o quanto conseguimos nos abrir, o quanto queremos escutar o outro e aceitar abrir mão do mundo à volta para aproveitar o que temos ali, lado a lado ou frente a frente.
“Três em cada 10 pessoas reclamam que não passam tempo suficiente com pessoas que gostam. Os outros sete estão mentindo”, brincou. “Tempo não é o problema. Nós temos tempo. Como a gente gasta esse tempo é que precisa de um olhar mais cauteloso”, complementou, reforçando que, em média, passamos 36 horas da semana focados em TV ou redes sociais, enquanto apenas oito conversando com nossos parceiros – e, uma hora e meia desse tempo, tende a ser em alguma briga ou discussão. Fora o tempo que perdemos escolhendo séries ou filmes que vamos assistir antes de finalmente começarmos (quem sempre?).
A rotina, inclusive, é um dos fatos indicados por Shetty para essa perigosa relação entre o “junto separado”. “Muitas vezes a principal conexão entre casais é assistir coisas juntos. Há várias pesquisas que dizem que isso é ótimo e gera uma grande ligação entre eles. Mas fazer só isso tende a ir separando vocês cada vez mais. O entretenimento é um ponto importante, mas, por si só, não consegue ser o único ponto para gerar conexões emocionais”, indicou.
Como um bom coach, ele indicou “Cinco E’s” que podem ajudar nessa geração de proximidade e troca entre casais ou relacionamentos gerais – daquelas dicas que ficam bonitas nos stories do Instagram. Além do “Entretenimento”, já mencionado são eles “Experiências”, “Educação”, “Troca Emocional (Emotional Exchange)” e “Engajamento”.
Nas experiências, Shetty analisa que temos a ideia de reviver memórias antigas para ter um momento especial, como ir ao restaurante do pedido de namoro, o local do primeiro beijo etc. Porém, pecamos por não perceber como é fundamental criar novas memórias, em vez de apenas relembrar aas anteriores.
“Quando começamos a sair com alguém, sentimos duas coisas: excitação e estresse. E é esse meio do caminho que cria essa energia, essa química entre duas pessoas. Depois de algum tempo, o estresse diminui, mas a excitação também. Com isso, vem o conforto. Quando você sente que pode prever o que seu parceiro vai fazer, você entra numa zona de conforto tão grande que você corre o risco de perder o interesse”, alertou.
É nessa parte que entram também os outros 3 “E’s”: aprender coisas novas juntos ou dividir aprendizados; saber como se abrir emocionalmente e deixar a porta aberta para o outro fazer o mesmo; e abraçar as necessidades mútuas, sendo apoiado e gerando apoio, são ações que mantém o nível de troca e interesse mais alto.
“Quando você conhece alguém novo e descobre alguma coisa antiga sobre ela, isso gera uma sensação de estar mais próxima dessa pessoa. O contrário também é verdadeiro e, quando você não tem mais nada a descobrir, começa a se sentir mais afastado dessa pessoa”, comentou, sem deixar de lembrar que, como sempre soubemos – mas nunca praticamos –, o segredo de tudo parte de estarmos bem com nós mesmos. “Se você parar de ter experiências que te façam se sentir bem, como você vai se sentir bem com o outro, ou fazer o outro se sentir bem com você?”.