Quando acaba o SXSW, a pergunta que mais se ouve – entre as pessoas que foram e as que não foram – é: “como foi?”.
Eu sempre respondo que o SXSW não acaba, ele é contínuo. O festival é um lugar de encontro de milhares de mentes criativas, de gente curiosa, inteligente, culta, sexy e divertida. São conteúdos, experiências e provocações que são despertadas em março e que te fazem passar o resto do ano refletindo e experienciando o conteúdo.
Há questões que vão além e nos fazem pensar por anos e não saem mais da cabeça. A campanha do próprio SXSW 2024 já propunha uma questão filosófica: “Para onde o mundo está indo?”. “Ser humano é a próxima grande tendência” já era tema da delegação francesa em 2017 e continua muito vivo, especialmente em tempos onde a inteligência artificial (IA) está aceleradíssima.
E para reduzir a ansiedade, e não entrar na cilada do FOMO, é importante saber que as experiências no festival são pílulas de conhecimento que vão despertar o seu desejo de se aprofundar em determinados assuntos. Seja um tema que você não conseguiu ver, ou quer ver de novo, você pode consumir ao longo do ano por meio dos canais do youtube do SXSW, que disponibilizam o conteúdo gratuitamente desta e outras edições.
Os 10 dias de festival geraram muitos conteúdos para assistir, podcasts para ouvir, livros para ler, downloads para compartilhar e aprender com as diferentes perspectivas da comunidade brasileira e muitas novas ferramentas de IA para testar. O que vivemos em Austin é só um pedacinho do festival. Por isso, considero cedo para dizer, pois ainda estou processando, e isso leva tempo, mas destaco aqui 5 reflexões que estão se solidificando e representam o meu SXSW 2024:
1. Inteligência artificial continua sendo a vedete das tecnologias
O tema IA esteve presente na maioria das tracks. Impossível discutir o futuro sem falar dela. Algo comum entre os speakers foi falar o quão acelerada ela está. Lançamentos que antes eram anuais ou semestrais, agora são feitos semanalmente e nem nos damos conta de conhecer e testar tantas variações, muito além do Chat GPT. Gemini 1.5 (IA do Google para texto, imagens e vídeos), V0.dev (design web UI), Builder.io (gerador de sites), Storyd (apresentacão slides), Sora (geração de vídeos), Suno (criador de músicas), MabLibs AI (jogo de palavras) entre tantas outras foram citadas em diversas sessões. Para Brian Fletcher, CTO da Huge, vamos sair da fase de IA como ferramenta de melhoria do trabalho para uma fase de personalização em tempo real, baseado nas informações mais precisas do usuário. Você não precisará mais informar qual o seu estilo de apartamento ao procurar por um. A IA vai propor soluções a partir do que você gosta. Você também poderá criar músicas autorais com arranjos incríveis, de qualquer estilo, sem saber tocar nada, para oferecer para a pessoa amada. Seus amigos também poderão interagir com uma representação sua, mesmo após sua morte.
2. Realidade virtual cada vez mais real
Ninguém mais pode ver o que você vê. Os óculos de realidade virtual Apple Vision Pro e Meta Quest apesar de ainda pesados e desconfortáveis, oferecem uma experiência cada vez mais real. Impressionante a qualidade da realidade que os autores da premiada obra “Songs for a passerby” conseguiram desenvolver. Uma experiência sensorial de tirar o fôlego que faz você caminhar em círculos, pisando num chão frio, com imagens e sons ao mesmo tempo que sugere a melancólica pergunta: sou eu que estou passando pelos momentos, ou são os momentos que estão passando por mim? Já na experiência de realidade mista ASTRA, outro de grande destaque, você é transportado da Terra para os cantos mais profundos do Cosmos, enquanto embarca em uma busca para descobrir os principais ingredientes da vida no Universo. Astra faz você pisar em planetas e suas luas escuras em busca de mundos futuros e seres distantes de forma muito real. É impressionante, mas a vontade de voltar para a Terra faz você querer terminar o tour antes.
3. Ser humano é a grande tendência
O futuro será impulsionado por pessoas e viabilizado por IA, disse Ian Beacraft no fim de sua palestra. Fico sempre na dúvida se a ênfase na criatividade e nas emoções do ser humano são ditas para nos acalmar, enquanto as máquinas vão ganhando poder, ou se realmente somos e seremos seres mais evoluídos do que os que estamos programando. Nossa capacidade de sentir, de sofrer, de amar e de gostar de estar juntos nos parece ainda algo único. O problema é que estamos doentes, presos a telas, ao capitalismo desenfreado e por guerras que esquecem dos direitos dos seres humanos. E como disse o estrategista de Harvard, William Ury, somos sequestrados por nossos conflitos. Estamos sendo sequestrados pelo amanhã, pelo FOMO, pelos grupos de whatsapp. E apesar da longevidade estar cada dia mais presente, a vida ainda é muito curta. Por isso, na gravação do podcast da Esther Perel, o comediante Trevor Noah provoca a nossa presença com “E agora?”
4. Transição para quem?
Somos a geração T (Transição), disse Amy Web, e estamos vivendo uma revolução em ciclos. Até aqui nenhuma novidade. Realmente para quem tem o privilégio de estar em Austin, gastando entre R$20 e R$ 60 mil numa viagem de 10 dias, podemos dizer que sim, somos a geração que estamos tendo acesso a um futuro que já chegou só não é igualmente distribuído, como já dizia o escritor Willian Gibson, em 1984. Então nossa responsabilidade é gigante. Para quem conhece a realidade das comunidades e áreas vulneráveis do Brasil, sabe que tudo que vimos no SXSW ainda está muito distante. A barreira financeira, somada a barreira do idioma, torna inacessível para milhares de pessoas brasileiras, brilhantes, estarem no festival e assumir ainda mais o palco e criar o futuro junto com outros pensadores globais. Este ano teve a polêmica da invasão dos Faria Limers no festival em contraponto com a pequena participação de grupos minoritários. Provocações necessárias para pararmos de apontar a responsabilidade para o outro e cada um repensar como pode fazer para tornar a participação brasileira mais inclusiva lá e aqui. Ideias não faltam. Faltam recursos e boa vontade para se aprofundar no assunto. Todos nós somos responsáveis.
5. A Terra ainda é o melhor planeta
Tradicionalmente a sessão de abertura do festival dá o tom das conversas da edição anual e o SXSW acertou ao colocar no primeiro dia do palco, duas mulheres para falar sobre exploração espacial e poesia, no dia internacional da mulher. Ada Limón, poeta laureada dos Estados Unidos, falou sobre a fusão da arte com a ciência. Ada escreveu um poema para a NASA em uma placa na Europa Clipper, a sonda espacial que vai até a segunda lua de Júpiter estudar o meio ambiente de lá. A sinergia entre duas áreas que parecem tão distintas, se dá pelo fato que ambas começam com perguntas e terminam com mais perguntas. Já para a sobrevivência do planeta Terra, respostas foram dadas por ativistas como Colette Pichon Battle, que intensificou que nosso grande problema é o capitalismo e nosso modelo de consumo descabido, especialmente da sua própria nação, os Estados Unidos, que destrói o planeta. Txai Suruí também usou a arte, com poesia, dança e o canto do seu povo para sensibilizar os não indígenas durante o festival: “Somos filhos da floresta. Somos filhos da mãe natureza. Somos animais, somos bichos e não podemos perder nossa conexão com os rios, com os animais, com o conhecimento ancestral. Precisamos de soluções para adiar o fim do mundo. Não em 2030 ou 2050, mas agora.”
Boas reflexões para seguir pensando. E para você, como o SXSW 2024 segue te impactando?