No final de abril a Red Lobster, cadeia de restaurantes norte americana centrada principalmente na Flórida, lançou no YouTube 30 faixas geradas por inteligência artificial para promover seus biscoitos de queijo cheddar (Cheddar Bay Biscuit).
Divididas em duas playlists de 15 (como se fossem os dois lados de um disco aqui intitulado “Cheddar Bay-I”), a Red Lobster abriu o leque de um amplo menu musical: jazz, hip hop, country, disco, pop, reggae, bossa nova com verniz easy listening, quarteto vocal no estilo doo wop…
Segundo a cadeia, as letras das músicas foram geradas a partir das declarações de amor dos fãs do Cheddar Bay Biscuit, inseridas dentro de um sistema de IA (não existem informações sobre qual plataforma foi usada nesse processo). As longas descrições das qualidades enxergadas no produto não deram forma a refrões memoráveis (hits), o que é natural que aconteça, pois se o texto usado como prompt for discursivo e não poético/cancioneiro, o resultado estará distante do que reconhecemos como uma canção “redondinha”.
Pra quem nunca escutou um fonograma gerado por IA, o resultado é chocante. A primeira reação de quem ouve um produto assim é sempre de assombro: como é possível soar como “música de verdade”, tocada por humanos? Pois é: pro bem ou pro mal, a inteligência artificial enganando os ouvidos desatentos trouxe grandes questões estéticas e éticas.
Primeiro: foi definitivamente enterrado o mito romântico de que só seres humanos podem fazer música, pois temos “sentimentos”, e afinal essa seria a matéria prima da música, não é? Bem… não. As emoções não “estão na música”, nós é que as projetamos nela. O que faz da música, música, é a forma – gêneros, instrumentos e cacoetes musicais. E isso pôde ser aprendido por sistemas de IA treinados por dezenas, centenas de milhares de músicas (esperamos que com as devidas permissões legais). Na velocidade em que caminham, esses sistemas demorarão alguns meses para que consigam gerar músicas com ainda mais “humanidade”.
Segundo: como ficará a vida dos compositores, músicos e produtores musicais agora que podem ser substituídos no trabalho profissional por uma máquina que gera uma canção por minuto e não exige o pagamento de direitos autorais nem o cachê dos envolvidos na sessão de gravação? Pessoalmente duvido que grandes e médias empresas abandonem a criação com contato humano e troca de opiniões, porém empresas pequenas, influenciadores digitais e usuários individuais já embarcaram nessa nova tecnologia. Só precisam entender se as faixas geradas não estão infringindo nenhum direito autoral – o que depende das plataformas de IA terem transparência e garantirem que suas máquinas foram treinadas com material livre de impedimentos legais. Garantias que, pelo menos por enquanto, não estão à vista.
Em todo caso, apertem os cintos pois estamos apenas na decolagem.