Uma bolsa que, ao ser aberta, revela uma etiqueta com a Lei 14.532/2023, que pune crimes de racismo, e um QR Code que direciona para uma plataforma de denúncias. Essa é a bolsa antirracista, iniciativa da Grey Brasil para a Universidade Zumbi dos Palmares, que integra o programa Racismo Zero, da Universidade – projeto que inclui campanhas educativas para aumentar a conscientização sobre o racismo. O objetivo é reduzir os casos de racismo em locais de consumo.
A Bolsa Antirracista / Racismo Zero
Quando fui impactada pela ação, me deu um desconforto que pareceu super necessário. Caramba, mas o que é isso, como assim bolsas revistadas em lugares que as pessoas estão lá para consumir? Como mulher branca, loira e de olhos verdes, nunca passei por um constrangimento de revistarem minha bolsa. E quis entender um pouco mais dessa história. E confesso, torci para não ter que entrevistar nenhum criativo branco da Grey Brasil. Abaixo estão alguns trechos das conversas que tive com Gabriella Batista e com Fabiano Beraldo.
Neste site tem mais informações do projeto.
Entrevista
01. Update or Die: Como tiveram essa ideia e como foi o seu desdobramento?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: Recebemos um briefing do time de estratégia da casa, para entender novas ações do Racismo Zero (nota da jornalista, programa da Universidade Zumbi dos Palmares que promove, através de um conjunto de ações, o enfrentamento ao racismo. Saiba mais aqui) para falar mais sobre o problema do racismo dentro de ambientes de consumo – que é mais um dos braços do racismo dentro da sociedade.
É um olhar esquisito, o segurança que te persegue, a revista aleatória que fazem, o pedido da nota fiscal quando você acabou de sair do caixa e comprou algo, e mesmo assim te pedem a nota e até te acusam de furto dentro de uma loja. Andar com a nota fiscal é uma forma de proteção e, ainda assim, a gente não está protegido o suficiente.
02. Update or Die: Como vocês abordaram a realidade do racismo que pessoas negras enfrentam em ambientes de consumo ao desenvolver essa campanha?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: A ideia vem de um insight real: pessoas negras são coagidas a abrir suas bolsas e mochilas para provar que não furtaram nada dentro de um mercado ou de uma loja, algo que lesa a integridade da pessoa negra. É uma dor que precisa ser vista pelo varejo e pelas marcas, e que precisa deixar de existir. Para que não só se inicie uma reparação, mas para que pessoas como eu não lidem mais com isso na hora de fazer uma compra. A ideia da bolsa surgiu de casos e mais casos de pessoas que têm suas bolsas revistadas. As pessoas negras no Brasil movimentam 1 trilhão de reais – não sei se este dado está atualizado -, são as que mais movimentam a economia no país e ainda assim têm suas integridades questionadas em situações rotineiras, que não deveriam ser violentas. Já aconteceu com minha mãe, meu pai, primas, é uma dor muito forte.
03. Update or Die: Como surgiu a ideia de transformar um acessório em uma ferramenta de combate ao racismo no consumo?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: Pegamos a Lei 14.532/2023, que diz que esse tipo de situação pode ser visto como um crime, pegamos o problema e pensamos: por que não pegar um acessório que é tão explorado, tão visto como uma forma de trazer essa injustiça, e fazer algo com isso? Tentar remediar essa situação? Assim nasceu a ideia, dada por Duda Vidaurre e Jonas Soares, que também estão no projeto e são pessoas aliadas à causa. Mais importante que uma pessoa negra falar disso, porque uma pessoa negra já está desgastada de falar disso, é uma pessoa branca olhar para esse problema e tentar resolvê-lo. E por que não com uma solução que coloca a lei como uma forma de proteção?
04. Update or Die: Como a bolsa com a lei impressa e o QR Code contribui para a proteção dos direitos das pessoas negras em situações de consumo?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: É difícil confrontar uma situação e lembrar que existe uma lei e fazer valer o seu direito. Ter uma bolsa que tem a lei impressa e um QR Code que leva a um mecanismo de denúncia é muito propositivo, com intenção. A lei está aqui, você tem esse direito, e a pessoa que está te agredindo tem essa punição, e você pode denunciar aqui. Porque o que estão fazendo com você é racismo. Não é um pedido leve. É uma obrigação abrir a bolsa. Trazem esse desconforto, esse mal-estar causado pelo racismo. Nem falo racismo estrutural, porque não é um termo que gosto de usar para falar de racismo puro. Desde que todo mundo começou a colocar a culpa no racismo estrutural, ninguém nunca mais foi responsabilizado por nada. A culpa não está só na estrutura. A culpa está no indivíduo. Tem que desconstruir os preconceitos, que é um dos propósitos do Racismo Zero.
05. Update or Die: Pode me contar sobre o processo de seleção da estilista para o projeto e como foi trabalhar com ela?
Fabiano Beraldo, Head de Produção Grey Brasil: O primeiro desafio foi encontrar uma estilista negra que estivesse envolvida na causa, que tivesse personalidade forte e cujo trabalho representasse o ancestralismo. Tenho uma parceria com Mônica Lajes, que possui um escritório de fashion management e cuida de maquiadores, cabeleireiros e estilistas. Ela tem conexões sólidas no mercado fashion e me apresentou 3, 4 estilistas, recomendando uma, a Naya Violeta. Ela concordou e começamos o processo com ela. Acordamos que ela produziria a bolsa e depois a filmaríamos em seu ateliê. Ela teve total liberdade criativa, e não fizemos absolutamente nenhuma alteração. A bolsa foi aprovada exatamente como concebida.
Ela também desenvolveu a tag. Em seu site, as pessoas podem comprar a edição comercial dessa bolsa, além de uma ecobag. E 10% das vendas serão destinados à Universidade para cobrir os custos do treinamento do Racismo Zero.
06. Update or Die: Como a iniciativa se articula com outros projetos da universidade no combate ao racismo?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: O Reitor aprovou a ideia, achou forte, cunha com o começo das celebrações de 20 anos da universidade, momento muito importante. São 20 anos de existência, de resistência. Sendo que não é uma ideia de celebração, é uma ideia de protesto. A Zumbi é uma universidade sem fins lucrativos, sem viés comercial. Buscamos uma estilista com um trabalho diferenciado, um craft detalhado, que fosse além da expressão artística. Fizemos contato com diversos estilistas e chegamos à Naya, que possui uma coleção vibrante e um trabalho voltado para ressignificar a sua realidade. Ela reside no cerrado goiano, fora do eixo Rio-São Paulo.
Naya se mostrou extremamente receptiva à ideia e imediatamente concordou em participar do projeto. A bolsa criada não passa despercebida, e essa característica é marcante em seu design. O resultado foi extraordinário: uma bolsa linda, com significado, que inclui peças de cerâmica feitas por mulheres colarinas, de uma associação com a qual a Naya colabora. A bolsa foi lançada no dia 21 de março, Dia Internacional da Luta contra a Discriminação Racial.
07. Update or Die: Conte sobre a colaboração com Alexandre Herchcovitch e como isso influenciou na escolha dos parceiros subsequentes, como Felipe Borges? Além disso, poderia detalhar como foi o processo de produção das tags sustentáveis e como elas serão distribuídas?
Fabiano Beraldo, Head de Produção Grey Brasil: O Herchcovitch, envolvido no começo do projeto, nos apresentou o parceiro que fez a tag para nós e indicou outro estilista, Felipe Borges, para dar continuidade à campanha. Ele fez uma bolsa maravilhosa, é muito talentoso também. Todos os profissionais envolvidos nisso são todos pró-bono. Todos tiveram filme e sessão de fotos com top models, feitas por Ricardo Barcellos. Toda a equipe de maquiagem e cabelo foi da equipe da Monica Lages.
A Punch desenvolveu a tag, que é sustentável. Fizemos 2.000 e a ideia é produzir 14.532 tags com um manualzinho, explicando para que serve e onde colocar, que serão distribuídas na Universidade e em outros canais. Essa é a força-tarefa da produção. Colocar tudo isso de pé. Começamos pequenos e vamos crescendo, crescendo.
08. Update or Die: Como sua participação neste projeto influenciou sua compreensão sobre racismo e preconceito?
Fabiano Beraldo, Head de Produção Grey Brasil: Me preocupo com como as pessoas se sentem e aprendi muito com essa história do antirracismo e do que é o racismo, apesar de eu fazer parte de uma minoria, homossexual, onde o preconceito também é grande, quando você sente na pele o que acontece, mas eu aprendi muito em como as pessoas se sentem. Eu cresci o meu respeito mais ainda sobre tudo isso. Aprendi muito mais sobre tudo isso. Não é fácil, não foi fácil, porque a gente acha que sabe das coisas e não sabe de nada. Para mim, foi um crescimento importante.
09. Update or Die: Qual lição importante você extraiu deste projeto em relação à necessidade de abordar o racismo de forma direta na sociedade?
Gabriella Batista, Redatora Grey Brasil: Uma lição importante dentro disso é que a gente precisa falar desses problemas. A propaganda precisa ser cada vez mais vocal quando o assunto é racismo. E falar com todas as letras, dar nome ao monstro que está embaixo da cama ou dentro do armário do almoxarifado. A gente precisa dar nome às coisas para que a gente saiba como combatê-las. Não colocar a culpa só na estrutura e tomar a responsabilidade para nós, enquanto pessoas, empresas, marcas; enfim, a gente está resolvendo um problema que é de todo mundo. Que não é só do movimento negro, não é só das pessoas aliadas. Um problema que precisa de solução para que a sociedade se torne minimamente melhor.”
Adorei saber mais sobre esse projeto!!!
Obrigada pela leitura e mensagem querida Juliana! Este projeto é mesmo muito bacana!