O nome deste projeto já havia me intrigado, “Entrada Delas”.
Trata-se de uma iniciativa promovida pela Stella Pure Gold, da AMBEV e criada pela SOKO, que visa incentivar a inclusão feminina na gastronomia. São cozinheiras selecionadas em todo o Brasil, que tiveram a oportunidade de criar entradas especiais, que posteriormente entraram para o menu de restaurantes renomados de São Paulo.
Relembre o Filme
Os bastidores do Filme
Essas mulheres foram lideradas por Helena Rizzo, reconhecida como a única chef brasileira com estrela Michelin, além de receberem consultoria das chefs Bel Coelho e Kátia Barbosa, parceiras da marca. O filme, produzido pela FISH, nos leva para uma jornada de sororidade e delícias, conduzido com cuidado e elegância pela diretora de cena Mariana Cobra.
Abaixo eu tive a oportunidade de conversar com alguns envolvidos no processo: a criativa, a diretora e o produtor executivo. Foi mesmo uma troca que me fez refletir. Espero que essa reflexão também reverbere em você.
O projeto tem como objetivo apoiar e dar visibilidade a novos talentos femininos no mercado gastronômico e ele está no shortlist de Cannes Glass, cuja categoria reconhece trabalhos que abordam questões de gênero.
Entrevista
1. Update or Die: Qual foi o processo criativo por trás da concepção do projeto e como você garantiu que ele ressoasse com o público-alvo da Stella Artois?
Isabela Marangoni, Diretora de Criação na SOKO: Esse projeto teve um processo criativo bem interessante porque, a partir do momento que a gente… eu posso falar num freestyle aqui, né? Beleza. O que acontece é que a Stella é uma marca que, há alguns anos, tem um DNA feminino. É uma marca que, há 300 anos, desde Isabela, tem esse DNA feminino e atua na gastronomia, principalmente porque parte do volume vem de lá. Então, esse DNA feminino dentro da cozinha é quase uma necessidade da marca porque não tem como uma marca feminina estar num território com tantas camadas de misoginia e machismo. Então, a concepção do projeto veio dessa necessidade de continuar trazendo consistência para essa plataforma de marca de equidade de gênero na gastronomia. Uma das primeiras coisas que fizemos foi trazer uma consultoria.
2. Update or Die: Como surgiu a colaboração com as chefs Kátia Barbosa, Bel Coelho e Helena Rizzo e como elas contribuíram para a concepção do projeto?
Isabela Marangoni: Então, a chefe Kátia Barbosa, que é super conhecida, a chef Bel Coelho e a própria Helena Rizzo nos ajudaram em toda a concepção. O dado e o problema foram coisas que já tínhamos mapeado, inclusive por uma pesquisa da própria Stella, escancarou um dado, que 96% das cozinhas domésticas são lideradas por mulheres, mas só 7% dos restaurantes premiados são liderados por chefs mulheres.
Encontramos um insight do problema: o que falta nesse mercado é oportunidade para mais mulheres entrarem como chefs. Antes de ter mais chefs premiadas, precisamos ter mais chefs. Como é o processo para se tornar uma chef? Como é o processo para entrar numa cozinha profissional, especialmente uma cozinha Michelin? Fizemos questão dessa entrada em grandes cozinhas por dois motivos: é um grande holofote e pelo contexto cultural do momento, porque o guia não voltava ao Brasil há quatro anos. Lançamos o projeto um mês antes do guia voltar ao Brasil para chamar atenção para o problema.
3. Update or Die: E como vocês selecionaram as chefs e como que se deu a preparação delas?
Isabela Marangoni: O processo de seleção das chefs foi feito com a curadoria das nossas chefs consultoras. Foi um mapeamento feito pela própria Bel e pela Kátia, principalmente aliadas. Nossos critérios foram: elas precisavam ser cozinheiras, ou seja, nunca tiveram a oportunidade de se tornar chefs, e tinham que ser do Brasil todo. Tivemos a preocupação de serem mulheres de idades, regiões e especialidades diferentes para trazer representatividade. As chefs consultoras fizeram a curadoria pelos contatos e perfis que conheciam, tudo muito cuidadoso.
Foi importante para a concepção do projeto, os toques e a experiência delas nos ajudaram a construir detalhes importantes, não só na comunicação, mas no desenho do processo. Estávamos até conversando sobre a preparação de apresentação em inglês para Glass (nota da jornalista: o projeto é shortlist em Cannes Glass). Por exemplo, na escolha dos restaurantes, sabíamos que precisava ser renomado para dar visibilidade, mas não queríamos um renomado com histórico de machismo, assédio ou misoginia. Elas nos ajudaram nesse filtro e seleção.
4. Update or Die: Como a plataforma de equidade de gênero da Stella na gastronomia influenciou a escolha das chefs consultoras para o projeto?
Isabela Marangoni: As consultoras também não foram uma escolha aleatória. A plataforma de equidade de gênero da Stella na gastronomia teve início com um projeto que também foi premiado em Glass. Para a gente foi feliz essa indicação porque mostra um trabalho de consistência. Foi importante trazer a Helena, a Bel e a Kátia, porque queríamos a simbologia da Helena como a única chef Michelin e chefs que fizeram parte da construção da plataforma desde o início.
5. Update or Die: Como foi o processo de alinhamento entre os perfis das chefs e os conceitos dos restaurantes durante o desenvolvimento dos pratos?
Isabela Marangoni: O processo foi garantir que os restaurantes topassem fazer um match daquela entrada com o conceito do restaurante. As chefs curadoras fizeram uma consultoria para ajudar na conceituação desses pratos e garantir alinhamento. Até, junto com a FISH, a gente teve um dia especial em que fornecemos insumos e ingredientes para o processo de criação. As chefs foram se envolvendo e tivemos um dia D específico, na Le Cordon Bleu, onde disponibilizamos a cozinha para finalizarem os pratos, com a presença das chefs Bel Coelho e Kátia Barbosa. Elas provaram os pratos, deram os últimos toques e apresentaram aos chefs dos restaurantes, que toparam e deu tudo certo.
6. Update or Die: Acredita que há poucas oportunidades para as mulheres conquistarem mais espaços de destaque na gastronomia?
Isabela Marangoni: Isso é uma coisa importante de ser dita, o que configura uma chef é a oportunidade de assinar o próprio prato, o próprio menu. Gosto deste exemplo, na série The Bear, tem o chef de cozinha e a sua auxiliar, só que ela nunca teve a oportunidade de estar nesse lugar de chef. Aí foi quando um crítico passou ali pelo restaurante, ela fez um prato para aquele crítico e ele amou. Ele teve que reconhecê-la como chef. Gosto de usar o exemplo dela, porque essa é a raiz do problema, não faltam cozinheiras. Na sua casa, provavelmente uma mulher cozinhou para você, sua mãe, sua avó. Não faltam cozinheiras, faltam oportunidades para que essas mulheres sejam vistas e consigam colocar sua identidade.
Essa entrada pela primeira vez nos restaurantes consagrados foi a primeira oportunidade de elas colocarem essa autoria e isso faz delas chefs pela primeira vez. E por que a identidade visual do projeto, traz as assinaturas, tem essa simbologia.
7. Update or Die: Você é uma mulher, me disse que cozinha e que fica muito feliz em falar desse projeto. O que te deixa tão feliz assim?
Isabela Marangoni: Cara, foi assim, eu até me emociono para falar, sabia? Porque foi muito bonito. Ai gente, eu não acredito que eu estou emocionada (nota da jornalista: a Isabela de fato se emocionou e ficou com os olhos merejados).
A gastronomia ela só reflete esse lugar – o que as mulheres vivem em qualquer ciclo. A gente está falando de cozinheiras que vivem todas essas dificuldades para se tornar chefs, que é um lugar de liderança, mas isso é em qualquer trabalho. Isso é uma tensão feminina para além da gastronomia. Não foi um projeto tipo, “olha existe ali um projeto falando sobre mulheres, vamos tacar um monte de mulher ali para liderar”. Não foi isso, foi o oposto. O time era naturalmente feminino, a produção era feminina, atendimento, criação, e nós mulheres, fomos naturalmente nos envolvendo, criando um carinho maior e se envolvendo mais, porque é uma tensão feminina, sabe?
A gente sentiu a dor também. A gente fazia os papos com as chefs e elas se emocionavam e a gente se emocionava junto nos bastidores. Acho que até me emocionei agora falando porque, óbvio cada um com seus privilégios e camadas diferentes, mas bate em algum lugar.
8. Update or Die: Quais foram as principais estratégias utilizadas para capturar a naturalidade e a sororidade entre as personagens durante as filmagens?
Mariana Cobra, Diretora de Cena: Para mim o trabalho de equipe é essencial, pensar em retratar essas mulheres e seu trabalho requer cuidado e atenção de todos. A direção sempre enfrenta os desafios dos tempos de filmagem que podem ser extremamente desafiadores. Para isso, busquei propor ações que deixassem as personagens interagir de maneira natural, e assim a captação ocorreu de maneira mais documental.
A narrativa visual buscou evidenciar o talento das personagens, mas buscando ressaltar sorrisos, olhares, a sororidade entre elas em movimentos de câmera leves e fluidos, uma câmera intima e viva. Projetos como esse mudam histórias, mudam a vida de pessoas, então estou muito feliz em fazer parte.
9. Update or Die: Quais foram os maiores desafios logísticos enfrentados durante a filmagem e como você os superou?
Alessandro Fadini, Produtor Executivo FISH: O maior desafio durante essa gravação foi o prazo curto e a PPM com a marca um dia antes da gravação. O ponto chave para superar tudo isso foi fortalecer a equipe de produção, permitindo que o time FISH ficasse mais solto durante a pré e na filmagem, resolvendo os desafios da cliente/agência diretamente.
A produtora teve a liberdade de criar em conjunto com a marca e a agência, somando pontos importantes e criar um roteiro para conseguir o resultado esperado à produção. Isso garantiu que a diversidade na gastronomia fosse celebrada de forma autêntica.
*Restaurantes participantes:
Charco Restaurante; Petí Gastronomia; Ecully; A Baianeira; Tonton; Ama.zo; Evvai; Manioca; Banzeiro; Barú Marisqueria e Komah.