Enquanto a extrema-direita se espalha pela Europa, as minorias americanas pressentem que os Estados Unidos podem viver algo parecido, já que um líder abertamente favorável ao extermínio de certos grupos pode ser tornar presidente. Este é o “plot” da minissérie “Complô contra a América”, que parece ter sido lançada na semana passada. Cobrindo a Segunda Guerra Mundial, a produção da HBO, disponível na MAX, imagina quais seriam as consequências se os Estados Unidos da América tivessem se aliado a Hitler. A história começa quando Charles Lindbergh, um aviador filiado ao partido republicano, vence a eleição contra o democrata Franklin D. Roosevelt. O discurso de Lindbergh bate doído: “America first”, pois a guerra é da Europa, não dos EUA.
Criada por David Simon, da aclamada “The Wire”, essa adaptação do livro homônimo de Philip Roth feita em 2020, tem um como trunfo a capacidade de unir passado, presente e futuro.

Para fazer essa transfusão temporal, Simon mantém a espinha do romance de Roth: a rotina de uma família judia. Herman e Bess vivem com os filhos, Philip e Samy, em Newark, uma comunidade judaica de New Jersey. Herman, como eleitor de Roosevelt, é falastrão e idealista. Já Bess é mais cautelosa. Ao redor do casal orbitam um rabino fã de Lindbergh; a irmã de Bess, Evlyn; o sobrinho de Herman, Alvin; e alguns vizinhos e amigos.
No livro, Roth usa o ponto de vista do caçula da família, o garoto Philip (uma versão de si mesmo), para mover a trama, empoderando a sensibilidade do personagem diante do horror. A escolha desse narrador, inclusive, faz a trama ser ainda mais densa. Por isso, Simon adapta a história com fidelidade. A viagem da família por Washington, D.C, por exemplo, é um dos grandes momentos da série e do livro. E mesmo a trama de Selton – o amigo de Philip – sendo menor na obra televisiva, rende uma das cenas mais comoventes do último episódio.

Judeu, Philip Roth morreu em 2018 e deixou uma das obras mais provocativas da literatura contemporânea. Não por acaso, o peso da sua cultura esteve em todos os seus livros. Quando foi lançado em 2003, “Complô contra a América” teve boa recepção, mesmo alguns críticos apontando falhas. Talvez, na leitura daquela época, o horror do levante nazista perdia força justamente por ainda não existirem personagens tão próximos desses ideais em meios aos políticos americanos tradicionais. Pelo menos, não tão visíveis. O fato é que Lindbergh realmente existiu, foi um aviador idolatrado pelo povo, tinha simpatia pelos nazistas, defendia a América e a neutralidade americana, mas não disputou a presidência com Roosevelt.
Mais de 15 anos depois do romance de Roth ser publicado, a série tem o cuidado de manter a óbvia semelhança com Donald Trump a uma distância provocativa. Isso ajuda muito na tensão crescente dos seus seis episódios. Flertando o tempo todo com o realismo, mas sem perder de vista o desespero que poderá surgir, “Complô contra a América” aborda a ascensão totalitarista, a polarização política, o uso da fé como máquina pública, o interesse na guerra ou o desinteresse na resolução dos conflitos e o massacre que os grupos minoritários sofrem, portanto, por uma vala universal. É como se independente da época, as pessoas não conseguissem mais distinguir o fato da ficção.
Os criadores montam um jogo esperto com o espectador, anulando possíveis traços panfletários em um aparente fogo baixo. Não é. Os embates de Herman com seu irmão empresário, a obediência do rabino Lionel Bengelsdorf aos ideais de Lindbergh, com seus discursos “isolacionistas” claramente em favor da neutralidade americana, e as poucas cenas de Henry Ford – o Elon Musk daqueles tempos – como um ministro de Lindbergh, por exemplo, são fulminantes: ora parecem uma realidade alternativa, ora um futuro próximo.
Agora, diante do que já vivemos – e ainda estamos vendo – , tanto o livro quanto a série parecem dimensionar o “quando vai acontecer” muito mais do que “e se acontecer”. Neste exercício de prever possibilidades, à medida em que o tempo passa, as duas obras vibram com a mesma sirene: a História vai se repetir. Mas não foi por falta de aviso.
Terminei de assistir a serie ontem, graças a este texto!! Estou ansioso para a leitura do livro !