Anatomia de uma Ideia: a arte de fazer perguntas e o futuro da inovação

Há 70 mil anos, em uma clareira cercada por árvores altas e silenciosas, vivia um símio chamado Gur.

Ele era esperto, curioso e tinha um olhar enigmático, como se sempre soubesse o que estava fazendo.

Perto dali, um jovem sapiens, chamado Kori, costumava vagar pela floresta, sempre atento aos mínimos detalhes, em busca de novidades.

Kori estava brincando à beira de um grande lago, jogando pedras sobre o espelho d’água, na esperança de alcançar maiores distâncias.

De repente, ele vê Gur, o símio, procurando alguma coisa perto das árvores.

Ele carregava uma pedra bem lisa, que parecia perfeita para a brincadeira de Kori. “O que será que ele vai fazer?”, pensou o jovem sapiens.

Gur então começou a bater contra uma noz dura, que Kori, apesar de sua força, não conseguia abrir.

Aquele pequeno truque do símio fez Kori se sentir meio bobo, e, ao mesmo tempo, fascinado.

Gur usava o que tinha ao seu redor com uma engenhosidade que Kori não havia considerado.

Sem muito esforço, a noz se abriu, e Gur, comendo a polpa, olhou para Kori como quem diz: “Viu só?”

Kori entendeu a lição.

Essa é só uma história fictícia, mas serve para nos mostrar que ideias só têm algum valor quando compartilhadas.

“A musa mais potente de todas é a nossa própria criança interior.” —

Stephen Nachmanovitch

Para o violinista Stephen Nachmanovitch, educador e autor do livro Free Play: Improvisation in Life and Art, a criatividade é profundamente conectada à nossa capacidade de brincar e acessar nossa criança interior, a fonte mais poderosa de inspiração para gerar qualquer tipo de inovação.

Porém, parece que a maioria das nossas ideias, principalmente as melhores, foram “sequestradas”.

Nojo, Medo e Raiva

No filme Divertida Mente (Inside Out), as personalidades da Tristeza e da Alegria são contrastantes desde o início.

Alegria é otimista, enérgica e acredita que sua função principal é manter Riley feliz o tempo todo, evitando qualquer influência negativa.

Tristeza, por outro lado, é mais introspectiva e melancólica, sempre sentindo que sua presença pode causar problemas.

O conflito entre as duas surge porque Alegria vê Tristeza como um obstáculo, constantemente tentando impedi-la de interferir, acreditando que só ela sabe o que é melhor para Riley.

Esse conflito se intensifica quando Tristeza, em um momento de curiosidade e vulnerabilidade, começa a tocar as memórias felizes de Riley, o que as transforma em “tristes”.

Isso causa pânico em Alegria, que tenta controlar ainda mais a situação, resultando no acidente que leva as duas para fora da sala de controle, deixando o comando para Nojo, Medo e Raiva.

Sem a liderança otimista de Alegria e o equilíbrio emocional proporcionado por Tristeza, Nojo, Medo e Raiva assumem o controle, o que acaba causando um caos emocional na vida de Riley.

Essas emoções, cada uma representando reações extremas e específicas, não conseguem lidar com as complexidades das mudanças que Riley está enfrentando, como a mudança de cidade e a adaptação a uma nova escola.

Sem Alegria e Tristeza, Riley fica emocionalmente desequilibrada, resultando em reações impulsivas e a desconexão dela com sua família e amigos, além de uma crescente sensação de isolamento e tristeza profunda.

O ponto de virada acontece quando Alegria, ao longo de sua jornada de volta à sala de controle, percebe que a Tristeza tem um papel essencial na vida emocional de Riley.

Alegria aprende que, para que Riley cresça emocionalmente e se conecte com as pessoas ao seu redor, ela precisa sentir e processar a tristeza.

A Tristeza não é um obstáculo, mas uma emoção necessária que ajuda Riley a lidar com a perda, o fracasso e a mudança.

Essa descoberta transforma a dinâmica entre todas as emoções.

A Alegria aprende a compartilhar o controle com as outras emoções, permitindo que cada uma tenha seu papel.

O maior aprendizado é que a felicidade não pode existir isoladamente — ela precisa da tristeza para dar profundidade e significado às experiências.

A Tristeza, por sua vez, também entende seu valor e encontra um lugar mais harmonioso na sala de controle.

Esse equilíbrio final, onde todas as emoções têm voz e vez, resulta em uma Riley emocionalmente mais madura e resiliente.

Embora a Tristeza seja muitas vezes vista como um fardo pelos outros personagens e por Alegria, ela desempenha um papel crucial na compreensão das emoções e na evolução emocional de Riley.

Ela é introspectiva e constantemente faz perguntas sobre as situações e emoções de Riley, o que demonstra sua curiosidade e desejo de entender as nuances dos sentimentos.

Sua tendência a questionar e refletir é uma forma de buscar um entendimento mais profundo das experiências de Riley, ajudando-a a processar e lidar com as mudanças e desafios que enfrenta.

Ela não apenas presencia os eventos, mas também os analisa, o que a torna uma figura fundamental para explorar e validar a complexidade das emoções.

Além disso, Tristeza é dedicada ao seu papel, mesmo que isso a coloque em conflito com Alegria.

Ela se envolve profundamente nas questões emocionais, o que pode ser visto como um traço de inteligência emocional.

Sua presença é essencial para ajudar Riley a lidar com a tristeza e a aceitar que, às vezes, é necessário sentir e expressar dor para crescer e se conectar com os outros de maneira mais genuína.

Dessa forma, a Tristeza contribui para um equilíbrio emocional que é fundamental para a saúde mental e o bem-estar de Riley.

A Morte da “Infância”

A “morte” de Bing Bong é um momento crucial que catalisa a transformação de Alegria em Divertida Mente.

Bing Bong, o amigo imaginário de Riley, representa a infância e a alegria associada a um tempo mais simples e ingênuo.

Quando ele desaparece, isso simboliza a necessidade de Alegria aceitar que a infância está se desvanecendo e que Riley está passando por uma fase de amadurecimento.

A perda de Bing Bong força Alegria a confrontar a realidade de que a vida de Riley não pode mais ser governada apenas pela felicidade superficial.

Ao testemunhar o sacrifício de Bing Bong para salvar Riley, Alegria percebe a importância de aceitar e integrar a tristeza como parte fundamental do crescimento emocional.

Esse reconhecimento leva a Alegria a abandonar sua visão idealizada e infantil sobre a felicidade, aceitar a complexidade das emoções e compartilhar a liderança com Tristeza.

Essa mudança é o primeiro passo para a maturidade emocional de Riley, pois Alegria aprende que um equilíbrio saudável entre todas as emoções é necessário para enfrentar a vida de maneira plena e autêntica.

Ao fazer as pazes com a Tristeza e permitir que todas as emoções desempenhem um papel na vida de Riley, Alegria contribui para uma compreensão mais rica e madura das experiências emocionais, facilitando a transição de Riley para uma nova fase de crescimento e desenvolvimento.

O filme mostra a Tristeza como uma emoção associada à sagacidade, desde que esteja equilibrada e integrada à nossa experiência emocional.

Quando a Tristeza é bem gerenciada, ela promove a introspecção e o questionamento, características essenciais para a inteligência emocional.

Ela nos encoraja a refletir sobre nossas emoções e situações, fazendo perguntas profundas sobre nossos sentimentos e circunstâncias.

Esse processo de questionamento não só facilita a compreensão mais profunda de nós mesmos, mas também nos permite nos expressar de maneira mais autêntica e empática nas relações, enriquecendo a qualidade da comunicação e a conexão com os outros.

Além disso, a Tristeza pode ser uma fonte de originalidade e inovação quando utilizada de forma construtiva.

A capacidade de processar e refletir sobre experiências difíceis muitas vezes leva a novas perspectivas e insights criativos.

Esse espaço para a introspecção e a vulnerabilidade pode gerar ideias inovadoras e soluções únicas, pois desafia o pensamento convencional e incentiva a busca de abordagens alternativas.

Portanto, a Tristeza, quando equilibrada, não apenas melhora a qualidade das nossas relações, mas também estimula a criatividade e a inovação ao promover um entendimento mais profundo e uma abordagem mais autêntica em nossa vida pessoal e profissional.

Aprenda a fazer perguntas, como a Tristeza faz no filme. Seja você líder ou não, o importante é abrir as sementes dentro do coração das pessoas.

Todas as nossas ideias estão cheias de perguntas, como uma semente, mas nem todos temos coragem de abrir ou nem sabemos como fazer isso.

Viver engasgados pelos cantos, sempre com medo de nos expressar acaba por matar a minha e a sua criatividade.

A ditadura da Alegria (felicidade a todo custo) pode isolar as pessoas e deixar a “sala de controle” nas mãos do Nojo, do Medo e da Raiva.

E todos nós sabemos o que isso pode causar, mesmo sem ter a ajuda de um filme para imaginar.

A arte de abrir sementes é aprender a colocá-las em contato com a água, nas condições e com os elementos adequados.

Com as ideias é a mesma coisa.

Elas são envelopes lacrados, cheios de perguntas, dúvidas e, muitas vezes, com uma tristeza contida, à espera de uma reação química, que só a água, ou seja, o diálogo aberto com outras pessoas, para romper o lacre e dar espaço para ver novas possibilidades surgirem, fruto de parcerias improváveis e afetos inesperados.

Você não precisa acreditar em milagres para viver um, basta fazer as perguntas certas:

Como você se sente? Podemos fazer isso juntos?