Por Felipe Andrade, Criativo Independente
Meu pai não tinha por que se interessar por música erudita. Era corretor, vindo do Nordeste, de família simples. Não havia em seu repertório a possibilidade de, num rompante, topar com Bach, Vivaldi e Mozart. Mas sensibilidade ele tinha. E aí veio o interesse. Herdou o ofício de marceneiro do meu avô e, desse meio do caminho, veio a paixão: o violão. Tanto que não bastou tocar, ele precisava construir seus instrumentos. Autodidata, tornou-se luthier. Reconhecido pelos melhores do Brasil.
Cresci vendo meu pai estudar e cortar madeiras, moldar formas, fazer um trabalho meticuloso, detalhista, demorado. Seu amor pelo violão o fazia um colecionador de minúcias, um autor de delicadezas. E com que orgulho meu velho finalizava cada instrumento. Nunca quis vender nenhum. Pode parecer estranho, mas as obras eram entregues apenas a quem merecesse. Ele sorria por dentro com o resultado de suas horas de dedicação. Eu também.
É dele que vem também o meu amor pelo detalhe, minha atenção pelo todo, a obsessão pela perfeição, por referências. Porque se num violão o acabamento, a madeira, a precisão e a dedicação fazem a diferença, eu acredito que no ato criativo isso também é uma verdade. Por isso, procuro usar a mesma aplicação de meu pai no dia a dia.
Todos os dias eu percebo como essa realidade impacta a minha rotina e meu trabalho. Em um ramo como a publicidade, no qual observamos pessoas de diversas origens, inúmeras experiências e habilidades, perceber que existe gente com essa mesma paixão pelo que faz também é uma fonte de inspiração. É muito mais do que pendurar um diploma na parede, é sobre ter aquele fogo no olhar e o ímpeto de continuar aprendendo. Meu pai era autodidata e chegou onde chegou – e observar isso em novos talentos é como observar a tocha sendo passada adiante.
Tal qual o luthier, que usa todo o seu conhecimento adquirido para construir um instrumento único, inigualável, impossível de se produzir outro com o mesmo som, também procuro organizar minhas referências – que vão dos quadrinhos, passando pelo cinema, trailers, cultura pop, música e trilha sonora, artes plásticas, entre outras – para atingir o melhor resultado.
É curioso que, ao final de uma peça de teatro, a exaltação se direciona aos atores, raramente para o time de figurino, iluminação e efeitos.
No “Efeito Marvel”, a maioria das pessoas saiu antes dos créditos terminarem de rolar, conversando sobre a atuação dos protagonistas sem dar atenção aos demais envolvidos naquela obra.
Os aplausos após um recital de violão são sempre para o músico, nunca para o luthier.
Na publicidade também é assim. Uma campanha de sucesso recebe elogios, mas nem sempre se mostram os bastidores, a excelência que cada setor imputa na obra final, o craft delicado e dedicado por profissionais apaixonados que querem ver ideias geniais ganhando forma.
Quem escolhe esse caminho sabe que o objetivo é usar seu talento de criação e execução para um propósito maior, para colocar os holofotes em quem realmente precisa brilhar quando as cortinas se abrem, quem vai receber os merecidos aplausos e, assim, manter essa virtuosa parceria com quem fica no backstage.
Ainda assim, não tem como não se inspirar pelo apreço e cuidado com cada detalhe. Ainda assim, não tem como não se inspirar pelo sorriso satisfeito de um trabalho bem feito. Ainda assim, sorrimos. Meu pai e eu.