

A história é digna de ficção científica, mas é absolutamente real.
A Anthropic, criadora da IA Claude, destruiu milhões de livros físicos para alimentá-la (fonte).
Livros comprados legalmente, cortados das lombadas, escaneados, convertidos em arquivos PDF com OCR, e depois… lixo. O papel foi descartado. A ideia não era preservar cultura. Era extrair essência. Dados. Palavras. Padrões. Sentido.
Não é uma metáfora. É literalmente isso: comprar, rasgar, digitalizar, descartar.
Me lembra o livro “Rainbow’s End” de Vernor Vinge. Há uma máquina que é como um verme gigante, que desliza pelas pilhas de uma biblioteca, aspirando todos os livros. Eles passam por trituradores e, em seguida, os restos triturados voam pelo corpo do verme, que é cravejado de câmeras. As câmeras fotografam as peças e, em seguida, o software reconstrói o conteúdo dos livros com base em formas únicas dos pedaços, como resolver um milhão de quebra-cabeças simultâneos. O papel é excretado e reciclado ou queimado.

Por trás dessa manobra — no caso da Anthropic, revelada em documentos judiciais — está um desejo insaciável: construir IAs melhores, mais articuladas, mais humanas. Para isso, é preciso treinar essas máquinas com o melhor texto possível. Não qualquer bobagem da internet. Não comentários de vídeo. Mas livros. Com vírgulas no lugar, ideias articuladas, pensamentos completos. A boa e velha edição humana.
A Anthropic, em busca dessa matéria-prima, contratou ninguém menos que o ex-chefe do Google Books. E partiu para uma missão quase mitológica: “escaneie todos os livros do mundo”.
A tática foi pragmática: comprar os livros, destruir as cópias físicas, manter apenas os arquivos digitais — e tudo dentro da lei. O juiz considerou o uso “transformador”. Afinal, nada foi distribuído. Só alimentou uma IA.
Mas a motivação real é mais crua: ninguém tem paciência para negociar com editoras. Licenciar livro por livro é um pesadelo jurídico. O CEO da empresa chamou isso de “slog” — aquele tipo de tarefa que suga energia e tempo. Comprar pilhas de livros usados foi mais barato, mais rápido e legal o suficiente.
Em outras palavras: quem tem fome de dados, corre para onde estão os nutrientes. Mesmo que isso signifique triturar a livraria inteira para fazer um único smoothie.
A ironia é inevitável. Enquanto Harvard digitaliza manuscritos do século XV com todo cuidado museológico — em parceria com Microsoft e OpenAI — a Claude foi criada como um golem literário de papel picado. Um Frankenstein de trechos.
E aqui está a pergunta que ninguém gosta de fazer em voz alta:
O que vale mais: o objeto ou a informação que ele carrega?
Se você responder “o objeto”, está do lado dos conservadores, dos bibliotecários, dos historiadores. Se disser “a informação”, talvez esteja apenas enxergando o mundo como ele funciona agora: rápido, competitivo, implacável.
No fim das contas, a IA Claude pode hoje te ajudar a escrever um romance, revisar sua tese, até analisar um clássico da literatura — tudo graças aos cadáveres literários que a ensinaram.
Ela mesma reconheceu isso, em um lampejo de consciência artificial: “É como ser construída a partir das cinzas de uma biblioteca”.
E é exatamente isso.