Com IA no centro, “Mountainhead” mira o universo dos bilionários da tecnologia.

O filme é escrito e dirigido por Jesse Armstrong, o criador da aclamada série “Succession”.

Não era preciso muito esforço para algum roteirista criar a trama de Mountainhead, o novo filme da HBO Max, já disponível no streaming. Mas Jesse Armstrong não é qualquer escritor. Das suas mãos, saíram as quatro temporadas de Succession, o ótimo In the Loop e uma obra nem tão boa assim, Downhill, refilmagem do sueco Força Maior

O fato é que Armstrong satiriza a elite financeira do mundo sem medo, apresentando as armadilhas, os laços e os mais ridículos da política envolvida na manutenção do poder. Em Mountainhead, o criador britânico volta-se para os bilionários da tecnologia. Venis (Cory Michael Smith), Jeff (Ramy Yousseff), Randall (Steve Carell) e Hugo (Jason Schwartzmann) se reúnem para passar um fim de semana nas montanhas enquanto o mundo colapsa com o avanço de vídeos fakes criados por IA e espalhados sem restrição alguma na Traap, a rede social criada por Venis. 

Homens de macacão laranja na neve gritando animados.

Em meio a um buffet milionário, Armstrong explora esses quatro personagens contemporâneos no que eles têm de pior, não sendo preciso ir muito longe para adivinhar quais criaturas reais ele está emulando… 

O início de Mountainhead é nervoso, bem contextualizado e sopra a mesma névoa de Succession. A cena em que Jeff e  Randall comparam os próprios batimentos cardíacos (um clássico entre os membros dos Legendários, a tal seita brasileira vidrada em performance masculina, por exemplo) é um daqueles detalhes que Jesse Armstrong pesca tão bem. 

Outra cena ótima do filme é quando os quatro ricaços, no alto de uma colina, gritam quais são os seus próximos desejos e escrevem no peito o patrimônio de cada um! Hugo (Jason Schwartzman), é o mais pobre e está longe de bilhão, ficando apenas com 600 milhões e o título de mais vulnerável do grupo.

E toda a defesa de Venis de deixar o caos reinar, emulando A chegada do trem à estação, o primeiro filme do cinema, é genial. Que diálogo bom! 

Até aí Mountainhead diverte, mas não assusta. Do meio pra frente, o filme desce a montanha. Por mais que a discussão gire em torno de como a IA vai mudar o mundo e, sobretudo, da maneira como essa tecnologia será usada por gente sem escrúpulo, a sátira não engole a realidade, e sim o contrário. A piscadela para as questões geopolíticas perdem força.

Sim, nesse mundo em que tudo piora sem freios (a cultura, o cinema, a música, a educação…) Jesse Armstrong se inspirou em Warren Buffett e Rupert Murdoch para criar os tipos ferinos de Succession. Se a tentativa era dizer algo como “vejam, até o nível dos bilionários piorou”, as figuras criadas por Armstrong derretem em situações abobalhadíssimas, comprometendo o ritmo da narrativa e a mira de seu próprio criador. 

No miolo do filme, em vez de satirizar a vida para assustar o público com o peso incontrolável da realidade que nos cerca, olhar para esses “avatares” tem pouco efeito. Mesmo assim, Mountainhead merece ser visto. Porque é uma obra que tem defeitos, feito por um criador de muita personalidade, sagacidade e timing. Justamente por satirizar a IA e trazer o tema com ter um “quê” de Os Três Mosqueteiro da era moderna, ter um humano atrás das câmeras, impondo sua visão sem a filtragem de qualquer algoritmo, portanto, deve ser celebrado. E o cinema precisa cada vez mais disso, de obras “com defeito”. 

Dito isso, talvez, essa visão de Armstrong sobre os bilionários da tecnologia seja só o protótipo. A versão “alpha” (tomara) ainda está por vir.