Sobre ser Batman ou ser Robin

Eu sei que é frustrante, mas eu realmente não vejo como possível todo mundo ser o Batman.
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Não dá para todo mundo ser o Batman. Só há espaço para um Cavaleiro das Trevas, assim como apenas um Superman, apenas uma Mulher-Maravilha. Eu sei que é frustrante, mas eu realmente não vejo como possível todo mundo ser o Batman.

E eu sei que você não quer ser o Robin. Afinal, o Robin é um auxiliar, o cara que ajuda o Batman, o estagiário o cara que entrega os itens do cinto de utilidades. Ninguém quer ser o estagiário ajudante. Você quer ser o protagonista, o herói. Seu ego implora por isso.

Eu atuo na área de dispositivos médicos. Produtos médicos, como todos vocês conhecem. Vocês sabem, raios-X, monitores cardíacos, implantes, cateteres, oxímetros, termômetros, e, sim, ventiladores pulmonares. Os famosos ventiladores pulmonares. O produto mais queridinho do momento. Aquele que estão pagando fortunas por um equipamento deste tipo, não importa como. Todos querem um deste. Sejam governos, ministérios, prefeituras, hospitais públicos e particulares. Todos querem um destes.

Tenho de mencionar que produtos médicos são regulados pela ANVISA, assim como em diversos outros países (por exemplo aqui, aqui, aqui e aqui). Tenho de lembrar à todos que um dos objetivos da ANVISA é a proteção da saúde da população, e que a Agência tem feito diversos esforços para ajudar no enfrentamento do Coronovírus, inclusive, afrouxando regras e regulamentos para facilitar a fabricação e importação de produtos necessários para a pandemia, inclusive regras mais simples para que ventiladores pulmonares cheguem ao mercado mais rapidamente.

Todos sabem que ventiladores pulmonares são um dos produtos mais buscados no momento, e há uma possibilidade de desabastecimento caso a pandemia se agrave, e, talvez, as medidas de isolamento e distanciamento não sejam suficientes para achatar a curva. Se muitas pessoas precisarem de um ventilador, pode não haver ventiladores suficientes para todos.

Então surgem pessoas virtuosas, com as melhores intenções, com os mais nobres motivos e valores, para salvar o dia. Sim, várias empresas e entidades surgem para salvar o dia. E a salvação decretada por eles é: “nós vamos desenvolver um ventilador pulmonar de baixo custo!”.

Temos também o problema da complexidade, pois este não é um produto tão simples assim. Não senhor. Este é um produto complexo, indicado para uso por profissional de saúde especializado. Este produto tem tecnologia, sensorização, softwares e monitorização complexas. Por exemplo, um ventilador pulmonar deve ter sensores, controles, alarmes, etc., para verificar se o paciente está oferecendo resistência a ventilação fornecida para ele, pois os seus pulmões podem sofrer rompimento (explodir os pulmões, se você preferir). E isto é apenas um dos requisitos que este produto deve possuir.

A pergunta que ninguém quer fazer é: será que estes produtos são caros por algum motivo? Óbvio que sim, Batman.

Então porquê alguém acha que vai conseguir desenvolver um produto tão complexo assim, da noite para o dia?

Por causa da nossa síndrome de Batman.

Todos querem ser o “herói”. Os motivos são vários: ego, ambição, reconhecimento, prêmios, 5 minutos de fama, etc., faça a sua escolha. Ninguém quer ser o Robin.

Por que não ser o Robin? Por que não, ao invés de “criar” algo tão complexo, não ajudar quem já detém o conhecimento?

Por que não, ao invés de desenvolver um “ventilador pulmonar”, não desenvolver válvulas de gases, que estão em falta na cadeia de suprimentos para fabricação de ventiladores? Por que não montar placas eletrônicas, uma vez que a mão de obra especializada nisso está em falta? Disponibilizar recursos para comprar mais componentes eletrônicos, para montar ventiladores para doações?

Vejo uma busca pelo protagonismo, mas não a busca pela humildade de ajudar quem já está na frente. Neste momento de pandemia, de tristeza, de sacrifícios, vejo pessoas e entidades mais preocupadas em ser a solução, que ser parte da solução.

Perguntas sem respostas.

Nas palavras do Robin: “Santa estupidez, Batman!”

5 comments
    1. Sim, sempre haverão outras formas, maneiras, métodos que irão melhorar sempre a cadeia de produtos. Um exemplo destas melhorias, no caso de ventiladores pulmonares, é que antigamente, os ventiladores faziam a compressão de ar para o paciente através de “foles” (tipo sanfona) para levar ar aos pulmões dos pacientes. Eram funcionais, porém, sem muito controle ou precisão.

      Logo após, veio o advento dos microcontroladores e sensores, e os fabricantes de ventiladores perceberam que os controles automotivos para pistões (de motores) eram extremamente precisos, e adotaram esta tecnologia de controle de injeção de ar para os pacientes através de pistões e controles de software. Isso foi um salto de precisão, controle, segurança e tecnologia para os ventiladores pulmonares.

      Acho o exemplo de Elon Musk reduzir o custo de operações perfeito. Só que ele não fez isso em 3 meses, mas em anos de desenvolvimento e pesquisa (e teve alguns reveses pelo caminho). Não acredito que as soluções de baixo custo emergenciais apresentadas serão uma solução adequada, como já avaliei alguns destes projetos de baixo custo e posso lhe afirmar: não irão salvar vidas (e, por tabela, não se aproximam nem um pouco do que um ventilador pulmonar deve executar).

      Recomendo a leitura de alguns documentos que coloquei nos links acima, e um texto para a ABNT que preparei sobre requisitos para estes produtos no link: https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=443918

      E, por favor, estou aberto a discussões e ouvir a sua opinião e comentários. Eu acredito que este cenário mundial irá afetar drasticamente como muitas coisas serão conduzidas daqui para frente, incluindo o desenvolvimento de produtos que irão salvar vidas.

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