Mateus Fazeno Rock sente muito, mas sem um paraíso que receba a população periférica do seu convívio, a constatação precisa ser direta: Jesus Ñ Voltará (2023, selo independente). Segundo álbum do artista de Fortaleza, a faixa de abertura relata sobre pessoas largadas em um tipo de apocalipse diário. A voz cadavérica de Mateus transforma a canção em uma profecia, e o arranjo pesado contextualiza o ouvinte em um submundo. A sensação é mesmo de descer por um bueiro.
De certa forma, Mateus Fazeno Rock compõe a própria versão de A Divina Comédia, o poema épico de Dante Alighieri, dividido em partes chamadas o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Assim como o poeta, Mateus é um personagem-narrador ciente de que a trajetória de pessoas pretas sempre vai começar pela condenação.
De melodia triste, a linda Pode ser Easy é uma pausa nessa dor. A esperança surgida de rimas espertas como “e pode ser easy, e pode ser que eu aterrize, ir além do mundo que eu sempre estive” mostram o compositor disposto a testar outras formas de falar sobre afeto.
Em seu álbum anterior, Rolê Nas Ruínas (2020, selo independente), o rock predominava. Mateus flertou, inclusive, com outros primos do gênero, como o punk da faixa Aquela Ultraviolência e o rock clássico de Melô do Djavan. Se na primeira parte de, Pose de Malandro / Me querem morto, o funk carioca dá as caras, a outra metade da música tem uma ambientação repetitiva, obsessiva, na linha do que o norte-americano Jon Hopkins faz em suas criações. “A morte do esquecimento, morte colonial, com pressa” é o verso que apreende a pose de malandro como um método de sobrevivência.
É uma passagem engenhosa para Nome de Anjo, outra bela música onde a doçura e a amargura trocam de lugar. A faixa narra a história de um amigo da infância de Mateus, morto durante uma batalha entre facções de Fortaleza.
Durante todo o álbum Matheus segue com um pé em cada vertente: ora com canções mais calmas, ora mais agressivas, mas sempre com um alvo definido. A grandeza do trabalho é fazer esta oscilação parte importante do ritmo, criando uma viagem de agonia crescente pelos seus infernos sociais, culturais, artísticos e pessoais.
Indigno Love, das melhores do álbum, resume bem a proposta. Mateus brinca com os estrangeirismos, narra a sua solidão enquanto artista, cita referências, como Eric Clapton ( I shot the Sheriff! Sei, tal hora vira condição), e traça um paralelo entre arte e sobrevivência que só o Brasil impõe.
Só Suor e Lágrimas tem timbre e andamentos parecidos com Negro Drama, do Racionais, e as duas estão no mesmo tom. Rezo, logo em seguida, e Vontade de Negro, avisam que a viagem de Mateus Fazeno Rock está próxima do fim. Mesmo não sendo salvo, ele se aproxima do paraíso? De Noite, a última faixa, responde ao seu modo, unindo memória, ancestralidade e esperança, sem desclassificar o Inferno de Mateus do que ele é: nem comédia, nem divino. Só uma tragédia que se não vira capa de jornal, vira música.