O senso de pertencimento a um grupo e a relevância disso para a construção do que se entende como “o eu” é uma necessidade extremamente forte para o ser humano. Tanto, que ele regula em muito o comportamento do indivíduo frente a percepções externas sobre aqueles elementos que constroem essa identidade.
Os pesquisadores Katherine White (UBC Sauder School of Business), Jennifer Argo (Alberta School of Business) e Jaideep Sengupta (HKust Business School) estudaram como pessoas moldavam seu consumo (e apego) a marcas que ajudam a definir sua personalidade (no original, identity-linked products).
Estas marcas – e seus produtos – são aquelas que trabalham seu posicionamento de forma extremamente empática, traduzindo os anseios e valores pessoais dos indivíduos e/ou, que por uma identidade bastante forte, servem de apoio para que as pessoas incorporem em si os valores defendidos pela marca.
Por exemplo, a Harley Davidson não é apenas uma marca de motos, ela reflete um estilo de vida e cultura próprios com a qual seus consumidores estabelecem uma relação simbiótica. Alimentam-se e refletem sua identidade pública através da imagem da marca, que, por sua vez, é retroalimentada por esta consciência coletiva sobre sua personalidade.
Apple, BMW, Nintendo, Linux, diversas marcas de vestuário, todas elas trabalham (ou ao menos tentam) esta relação indissociável com o indivíduo. Times de futebol, universidades, entidades religiosas, ideais de gênero, etnia, localidade e, mais recentemente no Brasil, partidos políticos, também funcionam desta maneira.
O estudo, porém, tratava da resposta das pessoas frente a uma exposição negativa destas marcas/produtos, ou seja, qual sua reação quando estas marcas/produtos são publicamente criticadas?
Quando “sua” marca é criticada
Usando como base as teorias de identidade social (social identity, por Tajfel and Turner 1979 & 1986), auto-interpretação (self-construal, por Singelis, 1994) e rejeição social (social rejection, por Knowles and Gardner, 2008), os pesquisadores cruzaram variáveis como preferências por produtos que refletem a identidade, auto-estima, necessidade de pertencimento e percepção de negatividade sobre o aspecto da identidade.
No experimento, estudantes universitários eram expostos a notícias negativas sobre sua universidade (nos Estados Unidos, um componente importantíssimo da identidade) e posteriormente compararam suas preferências pelo consumo de produtos (bonés, camisetas, etc) da própria universidade.
Assim, puderam identificar dois grupos de pessoas – aos quais chamaram de independentes e interdependentes – que mostraram comportamentos antagônicos quando uma marca que representava sua identidade (os “identity-linked products”) era criticada. Dependendo do seu perfil, apresentavam respostas dissociativas (de afastamento) ou associativas (de acercamento).
Quando expostos a críticas públicas sobre os produtos de construção de identidade, pessoas tidas como ‘independentes’ apresentavam um comportamento dissociativo, ou seja, reduziam o valor e a preferência por estas marcas, buscando criar uma separação entre a marca e o próprio indivíduo (senso do “eu”) e, desta forma, manter sua auto-estima positiva. O “eu independente” era reforçado enquanto o “eu social” (seu papel no coletivo) minimizado.
Por outro lado, aqueles tidos como “interdependentes”, por considerarem estes valores de marca tão próximos de seu “eu social” quanto de seu “eu independente”, não somente ignoravam os aspectos negativos apresentados como reforçavam ainda mais seu vínculo para com esta marca e com outros aspectos da identidade de grupo. De maneira simples, defendiam o grupo (e sua representação através da marca) apesar dos elementos negativos associados a ele.
Extrapolado para nosso dia-a-dia, esse modelo explica porque algumas pessoas tendem não somente a ignorar fatos negativos associados a seu grupo social (formado a partir de ideologias, valores, etc) mas também passam a adotar comportamentos belicosos contra aqueles que abandonam o grupo e/ou não fazem parte dele.
Seguindo no conceito de influência social, o movimento de defesa dos mais interdependentes age como combustível para os não-tão-interdependentes, puxando-os na mesma direção e reduzindo seu senso crítico para avaliar, friamente, tais fatos negativos.
Quando encontrar por aí um embate de ideias, experimente identificar se este mecanismo de defesa da auto-estima está presente pois, neste momento, não se está apenas defendendo uma ideia, um time ou uma marca, mas a si mesmo; logo, não há argumento racional que possa confrontar o medo da perda da própria identidade.
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Impossível mesmo não enxergar as timelines do Facebook e o momento político e a lenta e sofrida esfarelação de tanta gente que apostou em determinados partidos, os defendeu até a morte e que agora não dá mais pela circunstâncias. Só sobram mesmo mesmo os “fanáticos e tolos”, um momento social extremamente interessante, de rompimento de um elo tão forte. Post aula, como sempre, JC. Obrigado!
No passado víamos isso muito em religiões e movimentos de segregação (nacionalistas, étnicos, etc) e conseguíamos extrapolar para torcidas em geral. A recente polarização política no Brasil foi algo muito interessante do ponto de vista sociológico e, de certa forma, a resposta mais simplória ao início de uma consciência sobre o tema (lembra que a “Força só tem dois lados”? – https://updateordie.com/2016/08/18/porque-a-forca-so-tem-dois-lados/) =)
O caminho natural seria os extremos perderem força, porém há sempre o perigo de, ao se puxar demais para um lado, o ‘outro lado’ responder de acordo, e aí teremos o nada produtivo ‘ismo’
No passado víamos isso muito em religiões e movimentos de segregação (nacionalistas, étnicos, etc) e conseguíamos extrapolar para torcidas em geral. A recente polarização política no Brasil foi algo muito interessante do ponto de vista sociológico e, de certa forma, a resposta mais simplória ao início de uma consciência sobre o tema – lembra que a “Força só tem dois lados”? =) – https://updateordie.com/2016/08/18/porque-a-forca-so-tem-dois-lados/
O caminho natural seria os extremos perderem força, porém há sempre o perigo de, ao se puxar demais para um lado, o ‘outro lado’ responder de acordo, e aí teremos o nada produtivo ‘ismo’
Caro JC,
babei aqui pelo seu texto, queria ser seu novo melhor amigo, precisa se formar em que pra ser assim que nem vc? Diga-me: em relação a auto-estima, nosso apoio por ideologias tem a ver ( também ) com o fato de nos sentirmos melhores que os outros por adota-las? As religiões e políticos usam esse mote abertamente, certo? Por outro lado a opção por certas ideologias ( ou identidades – o que seja) que se baseiam em denegrir as outros posicionamentos não demonstra, de fato, uma grande baixa-estima?
oi stefen… puxa, primeiramente obrigado pelas gentis palavras :)
sobre tuas perguntas… todos os animais (assim como o ser humano) tende a estabelecer grupos de suporte e grupos antagônicos para sobreviver (é “amigo”, portanto, podemos nos beneficiar mutuamente, ou “inimigo”, logo, representa um risco). Uma forma de reforçar a própria identidade (e do grupo) é negar o outro; esta é a origem de todos os “ismos” da humanidade.
Religiões e ideologias políticas usam isso MUITO, em maior ou menor escala; basta reparar em discursos que denigrem o outro ao invés de reforçar os próprios valores.
Por um lado isso pode ser sim encarado como baixa auto-estima, mas também é um mecanismo eficiente (embora pouco ético ao meu ver) de recrutar pessoas para sua causa eliminando-se reflexões racionais. Apelando à emoção do combate (nós contra eles), o movimento vai direto na geração de emoções e sobrevivência do cérebro (na teoria do cérebro trino, sistema límbico e cérebro reptiliano), fazendo com que uma interpretação racional sobre o que está acontecendo seja colocada em segundo plano. Em outras palavras, o ódio, o combate faz com que as pessoas “pensem menos” e, assim, não param para refletir o porquê do ódio ou mesmo se há uma forma de se encontrar um meio-termo.
Ser humano fazendo serhumanices :)
Legal! Entendi perfeitamente. Ouvi outro dia o seguinte: “Não se pode ser tolerante com o intolerante, pois pela sua própria natureza ele não está disposto a mudar. Ou você e sua tolerância serão dominados por ele.” E aí, o que acha?
A frase é ótima… mas, parodiando o ‘Quis custodiet ipsos custodes’ (quem vigia os vigilantes), em um mundo de intolerantes todos acharão sua verdade como absoluta e passível de ser empurrada aos demais…. isso seria trazer os comentários das notícias do G1 para o mundo físico (lugar mais bizarro aquele! =D)