Foi um mau presságio, aqui pros lados da Granja Vianna, que é a parte chic e privilegiada do município de Cotia.
Há 16 anos vim viver numa Alameda. Uma Alameda com nome de passarinho: Tangará. Há uns 5 anos tudo mudou.
A Alameda Tangará mudou de patente, de posto e de nome: foi condenada a ser Rua e não mais Alameda. Foi rebaixada pra Militar.
Mudou de nome: Rua General Fernando Vasconcellos Cavalcanti Albuquerque. Com todo respeito ao General em questão, que nem conheço porque não achei sua biografia na internet, foi o começo do fim e ninguém se deu conta no início de tudo. Nem eu.
Essa alameda-passarinho era uma rua estreita e sem saída, mas era uma saída para um lugar bonito, tranquilo e em paz, depois de uma estrada penosa, a Rodovia Raposo Tavares.
Hoje essa rua-general é uma formação em ordem-unida, ao longo da qual se perfilam poucas árvores, muitas obras e máquinas, muitos carros estacionados irregularmente.
Hoje essa rua-general sai de uma pseudo-rodovia, a mesma Raposo Tavares, agora uma avenida lenta. Essa rua-general se inicia em um shopping , que está ao lado de um hipermercado, e vem terminar aqui em cima, depois de se estreitar em 1.250 metros de paralelepípedos, um piso permeável, que ainda insiste em absorver a água das chuvas. Um piso que vai acabar logo, porque vem se deformando com o tráfego de caminhões, betoneiras, guindastes gigantescos.
Os últimos metros da ex-alameda e atual rua, por enquanto continuam ladeados por paineiras, cujos flocos nevam de várias cores o caminho em plena primavera tropical. É aqui que eu moro e vivo.
Quem consegue chegar até essas paineiras, enfrenta o transtorno de obras recentes de lançamentos imobiliários. Três? Quatro? Talvez cinco ou mais empreendimentos.
Tanto faz, porque todos eles destroem as promessas que suas próprias propagandas apregoam: Verde, Paz, Tranquilidade, Vida junto à Natureza.
Fico imaginando a vista panorâmica que esses novos granjeiros terão: os quintais de serviço, os varais de roupa, os canis, os fundos das casas de condomínios contíguos, grudados uns nos outros.
Fico pensando de onde virão a água, a energia elétrica, o saneamento, a coleta de lixo, os serviços de correio, as linhas telefônicas, as bandas largas para esses nossos novos vizinhos – afinal tudo isso já nos é escasso e precário hoje.
Fico pensando nos mais de 500 novos carros que circularão todo dia, subindo e descendo a estreita alameda-passarinho que virou rua-general.
Fico pensando nos novos carros, como colegas de asfalto, estáticos e apáticos, engrossando os congestionamentos da Raposo Tavares.
Para denunciar e minimizar a devastação, tentei, de todos os jeitos, usando meu networking com ongs socioambientais e com a mídia, mas a pressão e as denúncias não deram em nada. Nem com as autoridades locais, com a Polícia Florestal ou com outros moradores, vizinhos omissos.
A única vantagem é que a fauna veio buscar refúgio aqui no meu quintal, ainda protegido e farto de vegetação. Saguis, saruês, tatus, lagartos, gaviões, quero-queros, tucanos, anus, bem-te-vis, maritacas, colibris, sabiás, pombas-rolas, pardais, caga-sebos e vira-bostas, pássaros de toda espécie e tamanhos. Inclusive tangarás, claro.
Eles me ajudam a controlar mosquitos e outras pragas, a fecundar meu quintal gerando mais vegetação e, portanto, mais água.
Fico pensando na mensagem do Instituto Socioambiental, o ISA, uma ong séria, que diz: progresso, sim, mas não a qualquer preço.
Fico pensando naquela mensagem de outra ong séria, o Greenpeace: não é esta nossa geração que queria transformar o mundo nas décadas de 60 e 70?
Parabéns, todos nós conseguimos. Por atos ou omissão.