Todos somos jornalistas. Somos todos, de muitas formas, celebridades. Sim, todos temos um pouco de poder e a chance de chamar a atenção do mundo. Celulares não fazem mais apenas chamadas de voz; esses pequenos milagres já são capazes de transmitir ao vivo de qualquer parte do mundo para todo o resto do planeta, qualquer fato ou evento. Todos somos educadores, e todos somos um outdoor ambulante, ligados à Rede, sempre prontos para dar um furo.
Quando disse para um amigo, recentemente, um resumo bruto do que acabei de escrever aí em cima, ele devolveu: “William, o diferencial do mundo moderno é a criatividade”. Sim, é verdade, acredito nisso. Nessa mesma semana, um outro amigo me perguntou, à queima roupa, se todas as pessoas são criativas. Soltei um palavrão e me ajeitei na cadeira. “Cara, tu tá de sacanagem”, disse pra ele.
PEDRA DE TROPEÇO
Criatividade, hoje, é a pedra de tropeço para a nossa sociedade, como a de Roseta foi um dia, quando todos queriam saber o que ela queria dizer. Depois de a traduziram, uma magnífica luz foi jogada sobre o conhecimento à respeito do mundo antigo, mudando toda uma perspectiva da nossa história.
Todos falam dela [ a criatividade ], mas poucos sabem dizer algo realmente concreto sobre o assunto. Ouvimos que a “escola matou a criatividade”, que “a Internet está nos deixando rasos”, que a Idade Média “trouxe trevas para o conhecimento humano”, etc., mas, afinal de contas, o que é, onde vive e o que come esse bendito “animal selvagem”?
Durante a leitura da biografia de Da Vinci, escrita por Walter Isaacson, percebi que o século XV foi um expoente na história, quando houve um “tsunami criativo” pela europa, principalmente na Itália. Arte, escultura, arquitetura, literatura, etc. explodiram como nunca antes.
Uma teoria muito aceita é a de que aquele “boom” criativo se deveu a um combinado de motivos, um alinhamento de fatores que permitiram que descobertas gerassem descobertas, até que uma explosão varresse o continente europeu, desenhando um novo cenário que definiu aquele período como Renascimento. Quando todo o brilhantismo da arte criativa pôde ser visto arrancando suspiros dentro e fora de catedrais, em palácios, ruelas e ladeiras de grandes cidades e minúsculos vilarejos. O ato criativo estava solto, como uma ave de rapina faminta, deixando um inesquecível rastro de obras magníficas.
Novas ondas, de tempos em tempos, assolam o mundo, jogando tudo para o alto, definindo novas regras, re-alinhando ideias e conceitos, provando que sempre podemos ir em direções diferentes, dependendo dos desafios que enfrentamos.
UMA REVOLUÇÃO
Agora, mais uma vez, estamos vivendo uma nova revolução, capitaneada pelo florescimento da tecnologia digital. A Internet está aí, em todos os lugares, conectando tudo e todos, deixando a vida de quase todos mais fácil, na velocidade da sua conexão.
Começamos apertando botões, agora basta o pensamento para comandar uma máquina. Estamos em lua de mel com a tecnologia, estarrecidos com o seu poder de sedução.
Amamos a ideia de tanta conveniência.
Hoje, existe um alinhamento perfeito que permite a quase todas as pessoas terem acesso ao infinito das informações que o ser humano pode criar. Está tudo aí, bem na palma da sua mão, quase de graça. Não existem dúvidas que não possam ser sanadas em apenas alguns segundos. A menos que a bateria acabe, o wifi caia ou o pacote de dados deixe você na mão. A tecnologia tornou tudo muito mais fácil, inegavelmente. Pergunte ao Google.
Quanto mais fáceis forem nossos desafios, pois ajuda não falta, mais criativos deverão ser os novos líderes desse admirável mundo novo.
Quem deseja se destacar não poderá ler apenas resumos de livros e depender da ajuda onipresente e onisciente da tecnologia digital, pura e simplesmente. Líderes do passado, com pouco esforço, conseguiam convencer uma massa de gente que acreditava em qualquer punhado de frases bem colocadas, cheias de energia, encharcadas de boas intenções. As pessoas de hoje estão conectadas, e podem conferir o que é dito para elas; até mesmo se mobilizarem, caso não concordem com o que ouvem.
Interessante é saber que, mesmo com todas as facilidades e o poder que há na tecnologia que está em nossas mãos, a maioria ainda prefere as sugestões do aplicativo que escolheu para ajudar na busca de alguma informação. Quem garante que os links que apareceram primeiro são os melhores? Ainda somos os mesmos, e vivemos como nossos pais, com a diferença de ter um “robozinho” para fazer as escolhas por nós.
Pesquisas revelam que nunca se leu tanto como hoje em dia, mas nunca estivemos em um nível tão raso de percepção e compreensão da realidade. Por quê? Pelo simples fato de que existem links demais para nos tirar o fluxo de atenção. Somos dispersos o tempo todo para saltar daqui para lá, onde um vídeo ou outro texto vai “complementar” o assunto. O que não percebemos é que o excesso de informação disponível nos deixa rasos. Por causa da imensa profundidade acabamos escolhendo ficar na superfície, mesmo que inconscientemente.
Em um mundo cheio de possibilidades, talvez, quem sabe, seremos guiados por máquinas inteligentes que saibam explorar seu potencial multitarefa [ o que não conseguimos] ou por pessoas que se dão ao trabalho de ler, com paciência e sem distrações, textos profundos que falam da natureza humana, seus poderes e fragilidades, algumas sutis, que nos tornam tão interessantes, mas, ao mesmo tempo, reféns da eterna necessidade de saber mais.
Por séculos, durante a Idade Média, o conhecimento foi privado, guardado em lugares seguros, longe do alcance de pessoas comuns. Um período de extremo atraso na história, quando a maioria vivia pouco e quase sempre em extrema pobreza. Assim que o conhecimento se viu livre, trouxe tudo o que temos hoje, um avanço em 500 anos que jamais foi visto nos 10 mil anos anteriores. A criatividade floresceu de um jejum milenar, quando não havia mais como conter a ansiedade humana por coisas novas.
Hoje, somos livres para ler o que quisermos, mas de uma forma estranha o conhecimento denso e profundo está sendo deixado em pesadas estantes de madeira, repletas de volumes empoeirados ou em outras estantes de aço, repletas de hubs, roteadores e cabos de rede, em imensas salas frias, atrás de grossas paredes de pedra e ferro, como se fossem torres em monastérios medievais. Parece preferirmos deixar que uns poucos tomem decisões por nós, não importa se são abades ou algoritmos.
Enquanto a criatividade humana permanecer selvagem, indomável e sem rosto, nos restará alguma esperança sobre o destino do mundo. Qualquer coisa que possa ser explicada pelo nosso próprio conhecimento estará condenada a não mais ser interessante, por mais interessante que seja. Somos viciados em novidades, principalmente naquelas que nos brindam com alguma dose de suspense.
Pessoas criativas, candidatos a líderes nesse novo mundo digital, devem lutar contra a ansiedade que a tecnologia infringe sobre todos nós, para encontrar fórmulas e ações contra os efeitos colaterais de seu uso excessivo. Imenso desafio, mas terrivelmente necessário!