Dois estudantes de cinema tiveram uma ideia maluca: criar uma campanha publicitária para um hipermercado em Praga, capital da República Tcheca. Eles queriam provar a tese de que a publicidade influencia qualquer sociedade. O documentário “Um Sonho Tcheco” tem um briefing: será que as pessoas vão se importar quando descobrirem a verdade?
No início, Filip Remunda e Vít Klusák, diretores do filme, avisam ao espectador do propósito e começa uma caçada a quem os ajude. Batem numa loja da Hugo Boss, que cede os ternos para que os dois pareçam realmente líderes do tal supermercado. Em seguida, envolvem a Mark/BBDO para criarem estratégia, logo, jingle, e todas as peças da campanha. A sacada da criação? Uma mensagem oposta aos objetivos de qualquer ponto de venda com mensagens para as pessoas “não irem à inauguração”e “não comprarem”.
Poderia ser uma grande piada. Mas, pelos bastidores da mentira, nós acompanhamos o mar de anúncios tomando a população em expectativas diferentes.
O experimento tem fator histórico. Em 2004, a República Tcheca pleiteava uma vaga na União Europeia. O capitalismo era recente, já que o comunismo era o sistema de governo alguns anos antes. Comprar tinha virado um lazer.
“Um sonho Tcheco” derruba os andaimes da isenção publicitária, e chama os profissionais para deixarem à mostra a fronteira entre mentira e omissão. O produto sozinho não vale nada. É a sedução, a defesa, a criação em torno dele que o torna desejável. Se justiça e ética estão em gôndolas diferentes, embora o filme não seja um panfleto contrário à publicidade, mostra preço dela.
Ao lado do chileno “NO” e do americano “Obrigado por Fumar”, o falso-documentário tcheco extrapola culturas na radiografia do consumidor ideal. Ele está no centro do filme, muito mais do que as estratégias criativas por trás de uma campanha vencedora ou a persuasão da indústria para se defender de ataques públicos.
A pesquisadora, responsável por estudar o comportamento dos consumidores durante o experimento, encontra a chave para entender qual é o grande sonho tcheco. A descoberta é amarga: ele ainda não existe. O interesse econômico para fazer parte da União Europeia transformou a cidadania em produto.
Se para os publicitários justiça e ética são linhas paralelas que eventualmente se tocam, para o consumidor ou melhor, cidadão, a vida ideal não precisa ser comprada. Já faz parte de qualquer política e sistema. Ou deveria.
A crítica da dupla vai mais fundo. As pessoas compram uma ideia. Uma perspectiva. Um sonho. Não importa a época, a localidade ou a loja. Como confessa um homem simpático após descobrir a farsa em torno da inauguração do hipermercado, “ a mentira não tem problema. pelo menos saí de casa”. A frase não livra o governo ou a publicidade de culpa. Ela só atesta nossa falência coletiva, já que nenhuma promoção ou campanha tapa o grande vazio da própria vida.
É isto que não cabe em um slogan. O experimento dos estudantes registra o buraco das relações. O sonho do “consumidor” tcheco, americano ou brasileiro, é ter algo verdadeiro que o preencha.
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