Em 1988, depois de 15 anos de ditadura no Chile, o governo de Augusto Pinochet convoca um plebiscito nacional para que a população decida se o general continua mais oito anos como líder.
A pressão internacional empurrava o país para a disputa, mas os militares estavam convencidos da vitória. Com quinze minutos de publicidade para cada lado fazer sua campanha, era a melhor chance da população para mudar o governo.
“NO” (2012), do diretor Pablo Larrain, não é sobre o resultado do pleito, mas como ele aconteceu. Convidado pela oposição à Pinochet, o publicitário René Saavedra (Gael García Bernal) tem uma ideia que nem todo mundo da equipe gosta: vender alegria.
Para René, a repressão só acharia antídoto se fosse oferecido aos chilenos algo além do medo. Algo que criasse um novo mundo.
Aliás, “NO” é um filme sobre criatividade, criação, conceito, roteiro e direção de arte. Materializar um sentimento tão abstrato quanto alegria é dificílimo, principalmente numa época onde o acesso das pessoas à informação era limitado.
A televisão foi a principal parceira. Cores, referências pop, um estilo americanizado que buscou inspiração até em “We Are The World”, um jingle grudento com o refrão “Chile, a alegria está chegando”, e algo que é irresistível em qualquer época, idade ou classe social: comprar o que você quiser.
Achou que era a liberdade? Ela não era um item tão poderoso assim porque a percepção de uma ordem mais dura fazia parte do imaginário coletivo como um mal necessário. Sem contar que “liberdade” é mais difícil de vender. A mensagem precisava ser compreendida por diferentes camadas. Inclusive, pelo próprio René.
Ele foi exilado pela ditadura. De volta ao Chile, vivia como um playboy à margem do caos enfurnado dos becos. Sua visão distanciada – e ainda assim, muito crítica – tira o tapa-olho dos colegas idealistas e mostra criativamente o que significava ser livre naquela época à beira do neoliberalismo.
É ótima a cena onde, impedidos por Pinochet de divulgar um trecho de um filme, o líder político do time de oposição brada a estratégia: “vamos para rua! Vamos denunciar isso”, e ouve de René: “você não consegue pensar em nada mais criativo? Eu tô cansado do seus protestos!”
Como solução, a peça que vai para o ar é um letreiro escrito “censura”, empurrado por um arco-íris, o símbolo da campanha, ao som de “Chile, a alegria está chegando”.
Uma aula, né?
Filmado em U-Matic, uma tecnologia de videocassete usada em comerciais da época, a sensação é quase que estamos vendo um grande comercial. Desses que vendem uma vida que todo mundo quer ter.
O reforço no simbolismo é importante. René criou o mundo ideal. Isso não quer dizer que ele era real. Com a vitória, o Chile tinha botado à alegria no carrinho. Pagar por ela é outra coisa. Ou melhor, outro briefing.
Adoro esse filme! Análise perfeita!