O vilarejo em apuros, a comunidade em pânico. Vilões assaltam o único banco, saqueiam as lojas, põem fogo nas casas. Surram os homens, desorganizados, sem liderança e sem uma defesa articulada. Espancam as crianças, estupram as mulheres. Os vilões atuam livremente, diante das forças policiais inoperantes, porque incompetentes ou despreparadas ou apenas desinteressadas.
Mas eis que chega o Zorro e faz a sua parte. Afugenta os bandidos, mata alguns talvez. Recupera o dinheiro do banco, devolve as mercadorias das lojas, apaga os incêndios. Salva as mulheres e as crianças. O Zorro atua diante do olhar passivo das forças policiais inoperantes, porque incompetentes ou despreparadas ou apenas desinteressadas. Para falar a verdade, muitas vezes o Zorro atua também contra as forças policiais inoperantes, que teimam em atrapalhar seu trabalho em defesa da comunidade.
Final feliz. Todos se abraçam, todos se emocionam, dão graças aos Céus e voltam-se para agradecer àquele mascarado maravilhoso. Cadê o cara?
Do alto de uma colina, contentando-se com a sensação egocêntrica de quem acredita ter cumprido com o seu dever imediato, Zorro empina o cavalo e se despede. Egoisticamente feliz, como quem cumpriu com sua obrigação, não fez nada de mais. Afinal, é da sua índole, é da sua natureza ser discreto. Ele tem lá seus problemas.
Por que? Ele é sinceramente tímido? Orgulhoso, pero encabulado? Falso-modesto, aguardando a multidão gritar “Fica! Fica! Fica!”. Herói cheio de complexo de culpa, que se envergonha dos aplausos? Celebrar não faz parte do core-business do Zorro? Será falta de tempo? Será falta de verba? Será falta de um trabalho consistente?
De qualquer forma, o Zorro é um herói mascarado maravilhoso, mas nada exemplar.
Por que ele não trabalhou estruturalmente com a comunidade, depois que sua ação emergencial resolveu aquele problema pontualmente? Por que ele desperdiçou seu carisma, não reuniu o povo agradecido e discutiu o ocorrido, pedagogicamente? Por que ele não se preocupou em identificar os líderes naturais daquela gente e não os mobilizou? Por que ele não ensinou o vilarejo a se organizar para um próximo ataque? Por que ele não usou sua competência para capacitar a população nas artes da defesa coletiva? Por que ele não aprofundou sua ação, não buscou formar uma estrutura que permitisse à comunidade construir sua própria auto-sustentabilidade (ou auto-defensibilidade, no caso)? Por que ele só teve um gesto salvador de bravura momentaneamente e não construiu algo que permanecesse pra sempre naquele vilarejo?
Este é o sintoma número 1 da Síndrome de Zorro: contentar-se com a ação em si, que se esgota nela mesma, com seus efeitos imediatos e efêmeros.
O sintoma número 2 da Síndrome de Zorro começa na própria máscara: o Zorro não mostra a cara. O Zorro não divulga seus atos. O Zorro omite suas idéias. O Zorro esconde seu jogo. O Zorro acredita que sua ação social será reconhecida espontaneamente e, se isso não acontecer, tudo bem, não lhe fará falta.
Este tipo de comportamento calado e inseguro é natural, conseqüência da Síndrome número 1 (atuar isolada e pontualmente). Pode parecer arrogância ou inocência, que são irmãs de pecado. Mas, no caso do Zorro, é falta de foco mesmo. Ele não se sente responsável pelo que acontece com o povoado. Ele é apenas um assistencialista caridoso. Ele só ampara, socorre.
O Zorro não comunica o que faz, porque não o faz estrategicamente. Porque sua atuação social é tática e errática. Ela não está integrada a um pensamento corporativo ou a um plano de negócios de longo prazo, em parceria comprometida com o Terceiro e o Primeiro Setor. Porque sua atuação social não faz parte do negócio em si. Portanto, nada é planejado, nada é auditado, os resultados são pequenos e ao acaso. O Zorro trava batalhas avulsas, não uma guerra pensada.
Com o seu silêncio, o Zorro perde a chance rara de fazer uma bela campanha de divulgação, séria, responsável. Sem comunicação, o Zorro não presta contas de seus feitos, não aumenta sua credibilidade, não recruta adesão, não constrói sua imagem de marca, não se diferencia dos heróis concorrentes.
E o pior de tudo: sem comunicação, o Zorro despreza sua força inspiradora. Zorro não estimula o surgimento de novos Zorros, que se entusiasmem com seu sucesso, repliquem seu trabalho e atuem em rede com ele. O Zorro não entende nada de exemplaridade.
Tem gente que diz que o Zorro é assim mesmo, solitário e na dele, prefere atuar sozinho e sem alarde. Dizem que ele acha cabotino e oportunista, que é muito feio se promover às custas de suas ações a favor do Bem.
Sei lá, para mim o Zorro é um tonto.
Parabenizo o articulista pela excelente análise. Show!
Esse tipo de pensamento leva muito político a repetir aos seus assessores que “enterrar canos não dá voto”. Zorro faz o bem de um jeito nobre, sem se vangloriar. O resto é vaidade.