Chegamos na segunda região da nossa viagem, aquela que mais recebe atenção do mercado editorial. A grande maioria dos autores que lemos, acabam saindo daqui, da região Sudeste. E as maiores editoras do Brasil também se concentram entre Rio – São Paulo.
Sem perder tempo, afinal temos muito caminho pela frente, vamos começar.
São Paulo
Começamos pelo estado que eu chamo de lar há quase 2 anos. São Paulo possui muitos eventos culturais que possibilitam a aproximação entre os leitores e os livros. E foi justamente isso que me ganhou logo que mudei para cá. São lançamentos, feiras, palestras, cursos e muito eventos espalhados por todos os cantos. Foi justamente aqui que me aprofundei mais nesse mundo e conheci diversas autoras, e descobri que, tão legal quanto ler o livro, é conhecer e ouvir quem os escreveu. E não falo isso como se fosse amiga delas, de tomar chá na casa e tudo mais. Com o Novas Clarices, projeto que iniciei quando comecei a morar em São Paulo, percebi o quanto é maravilhoso se aprofundar no conteúdo das escritoras e aprender um pouco sobre seus processos. E muitas delas falam sobre isso em seus Instagrams, vale muito a pena segui-las.
Antes de começar a falar das escritoras contemporâneas de São Paulo, algumas menções honrosas que não podem ficar de fora: Ruth Guimarães, Hilda Hilst e Patrícia Galvão. São três escritoras maravilhosas e com histórias incríveis. A Ruth Guimarães, inclusive, está comemorando centenário em 2020, e saiu uma matéria muito legal sobre ela na revista Quatro Cinco Um de novembro.
Vamos para as contemporâneas:
Lygia Fagundes Telles
Não dá para começar essa lista sem falar de Lygia Fagundes Telles. Sim, Lygia ainda está viva e forte com seus 97 anos! E é uma escritora que, até mesmo os mais desavisados, sabem da existência. O que eu acho mais incrível nessa escritora é a sua variedade. Já publicou romances e contos com os temas mais diversos e de uma forma impressionante. Quer um exemplo? Só no “Seminário dos Ratos”, um livro maravilhoso de contos, encontramos textos com uma pegada de terror com o “As formigas”, outros mais cômicos e que se constroem aos poucos como “Pomba enamorada” e o conto que dá nome ao livro é uma loucura, do jeito que eu amo, que me faz pensar “da onde essa mulher tirou isso?”. Se você nunca leu nada dela e não sabe por onde começar, eu sugiro “Seminário dos Ratos” (Companhia das Letras) e também o incrível “Ciranda de Pedra” (Companhia das Letras).
Maria Valéria Rezende
Maria Valéria Rezende é quase unanimidade no meu círculo de amigos. Comecei minha leitura dela com o livro “Quarenta dias” (Alfaguara) e adorei. Aqui vemos a história de uma mulher que conta sua aventura de 40 dias em busca de um homem desaparecido. E acompanhamos isso através de um caderno da Barbie, onde ela anota tudo. E isso é muito bom porque não é como um diário, e sim uma conversa entre ela e a Barbie. É uma história muito criativa e diferente na forma de ser contada. Mas, se você nunca leu nada dela, sugiro começar com o “O Vôo da guará vermelha” (Alfaguara), que todo mundo lê e ama. “Carta à rainha louca” (Alfaguara), romance lançado no ano passado, foi finalista do Prêmio Jabuti e está entre os finalistas do Prêmio Oceanos, que premia a literatura dos países de língua portuguesa. Uma curiosidade muito legal sobre a Maria: ela publicou seu primeiro livro aos 59 anos. O que traz um ótimo exemplo para todos nós que somos criados nessa sociedade imediatista que faz você se sentir mal por não ser uma milionária aos 30.
Aline Bei
Se você me segue no Novas Clarices lá no Instagram (e se não segue, fica aqui o convite) sabe que a Aline Bei é uma das minhas autoras contemporâneas favoritas. Inclusive, o livro dela, “O Peso do Pássaro Morto” (Editora Nós), junto com outro que vou falar mais pra frente, foram os responsáveis pelo Novas Clarices existir. É uma daquelas leituras que você lê em algumas horas e fica remoendo por semanas. E sem falar na linguagem que é linda, poética e tão potente quanto um murro na cara. Era assim que eu me sentia depois de cada página. É um daqueles livros que eu indico loucamente e que sempre tem um retorno incrível. Nunca ouvi alguém falar que não gostou dele. Foi vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2018.
Assista a entrevista com a Aline Bei no Novas Clarices.
Camila Assad
Chegamos na poesia. E aqui falo com convicção: não se prenda naquilo que você achava que era poesia na escola. Camila Assad chega mudando tudo de lugar e levando suas palavras para um novo jeito de ler esse gênero literário. Seus livros são mergulhos. O primeiro que eu li chama-se “Desterro” (Editora Macondo), um livro que nos leva para fora, pro jeito como as mulheres vivem a cidade. E o segundo, “Eu não consigo parar de morrer”(Editora Urutau), que nos leva para dentro, dentro de nós mesmos, dos nossos pensamentos e daquelas nuances do dia a dia que só uma pessoa atenta e que saiu da inércia pode notar.
Assista a entrevista com a Camila Assad no Novas Clarices.
Cristina Judar
Eu caí de paraquedas no primeiro livro que li da Cristina Judar, o “Oito do sete” (Editora Reformatório), foi aquela coisa de gostar da capa e comprar, sabe? E me apaixonei, foi uma ótima surpresa. Adoro livros que arriscam a linguagem ou outra coisa diferente e neste livro temos muitos pontos interessantes: a linguagem é belíssima e os narradores são inusitados, sendo que o último é a cidade de Roma, e é um dos meus capítulos favoritos. Depois disso, fui para o “Roteiros para uma vida curta” (Editora Reformatório), seu livro de contos, e foi outra leitura excelente. Sabe aquele momento que você quer ler coisas arriscadas? Leia um livro da Cristina Judar.
Assista a entrevista com a Cristina Judar no Novas Clarices.
Como disse antes, a lista de grandes escritoras em São Paulo é enorme. Por isso, para não deixar esse post extenso e não falar muito mais de São Paulo do que de outros estados, vou citar aqui outras autoras que gosto tanto quanto as cinco que falei acima e também valem a pena ler: Sheyla Smanioto, Vanessa Barbara, Lubi Prates, Mariana Salomão Carrara, Amara Moira e Paula Fábrio.
Espírito Santo
O Espírito Santo foi uma grata surpresa nessa viagem. Porque, apesar de eu ter lido menos autoras, achei livros super interessantes e que mexeram muito comigo.
Fabíola Mazzini
Li o seu livro de poemas “Rotina dos ossos” (Editora Cousa) e gostei muito. É aquela leitura para fazer aos poucos. Vai com calma, pega um, lê, descansa e depois lê outro. Porque, apesar de serem poemas menores, eles nos fazem refletir muito. Foi um livro que me fez pensar um pouco no “ler como relaxamento”. Como sou uma escritora ainda iniciante, grande parte dos livros que leio acabam servindo como estudo. E aqui, a experiência foi diferente.
Bernadette Lyra
Foi uma autora que gostei demais. “Água salobra” (Editora Cousa) é o seu livro de crônicas que me fez sentir uma proximidade com ela. Parecia que eu conseguia enxergar a sua infância e adolescência, como se estivesse sentada em uma mesa de café a ouvindo contar sobre sua cidade e o amor pela sua terra. O problema disso é que fiquei curiosa demais para conhecer o seu trabalho em outras áreas, por isso, depois de escrever esse texto irei para o romance “Ulpiana” (Editora A Lápis) que, pelas resenhas que li por aí, é incrível.
Minas Gerais
Quando fiz uma lista de todas as autoras mineiras que já li, fiquei muito feliz: foi a segunda lista com mais nomes. Sem nem perceber, Minas conquistou um lugar muito especial no meu coração e na prateleira com essas escritoras. Vamos conhecê-las! Mas antes de irmos para as contemporâneas não posso deixar de citar essas mulheres maravilhosas: Carolina Maria de Jesus e Maura Lopes. Procure sobre elas, você não vai se arrepender.
Conceição Evaristo
Que mulher, gente. Li os “Olhos d’Água” (Pallas Editora) e fiquei muito, mas muito impressionada. É um compilado de contos que abordam temas como racismo, infância, pobreza, rotina e outros tipos de preconceito. É o tipo de leitura que nos atropela. Não dá para ficar igual depois de ler a Conceição Evaristo. Outro livro que é muito elogiado e que está na lista de leituras é o “Ponciá Vicêncio” (Pallas Editora). Vou ler em breve e conto lá no Novas Clarices.
Adélia Prado
Adélia tem 84 anos e foi a autora homenageada do Prêmio Jabuti deste ano. Dos seus livros, li o “Reunião de poesia” que traz o seu trabalho nos anos de 1976, 1978, 1981, 1987, 1988, 1999 e 2010. A linguagem de Adélia é muito bonita e profunda. Lendo novamente a resenha que fiz na época, encontrei um trecho que talvez mostre um pouco do que senti enquanto lia: amor violeta/ o amor me fere embaixo do braço/ de um vão entre as costelas/ atinge meu coração é por esta via inclinada/ eu ponho o amor no pilão com cinza/ e grão roxo e soco. Macero ele/ faço dele cataplasma/ e ponho sobre a ferida.
Nara Vidal
O primeiro livro da Nara que eu li foi o “Sorte” (Editora Moinhos), um romance histórico que mostra a trajetória de Margareth, uma mulher que sai com sua família da Irlanda em direção ao Brasil, um terra que, segundo o que dizem, oferece inúmeras oportunidades para os estrangeiros. Acho difícil falar mais da história sem dar um spoiler e é melhor você ter a experiência completa com esse livro. Pois ele é ótimo. Inclusive ganhou o Prêmio Oceanos. Depois, resolvi migrar para o seu livro de contos, o “A loucura dos outros” (Editora Reformatório) e foi outra experiência incrível. Textos fortes que precisam de uma longa respirada entre um e o outro.
Assista a entrevista com a Nara Vidal no Novas Clarices.
Gisele Mirabai
Conheci a Gisele no lançamento do livro “Contos brutos” e fiquei muito encantada com a forma que ela falou no evento sobre natureza, autoritarismo e maternidade. Por isso, fui correndo atrás do seu livro “Machamba” (Nova Fronteira) para conhecer seu trabalho mais de perto. E foi uma leitura que eu gostei demais. E aí, a Gisele vem mais uma vez e nos encanta lançando “Ana de Corona” (Ciao Ciao Editorial) logo no começo na pandemia. O livro que foi escrito em NOVE dias, e demorei um tempo para lê-lo porque no começo da quarentena não me sentia preparada. Mas depois, foi uma leitura muito interessante, entrando no meu top 10 desse ano tão louco. Um livro que vai muito além da doença, e sim de tudo o que gira em torno dela e da nossa relação com o planeta.
Assista a entrevista com a Gisele Mirabai no Novas Clarices.
Daniela Arbex
Agora vou falar de um amor antigo. Conheci o trabalho da Daniela Arbex ainda na faculdade quando li “Holocausto brasileiro” (Intrínseca) e lembro que um mundo novo se abriu para mim. Primeiro, um mundo horrível retratado no livro, um lugar que matou mais de 60 mil pessoas e funcionou por décadas, onde mães têm seus filhos roubados e onde muitas histórias se apagaram num piscar de olhos. Porém, depois, outro mundo se abriu: o dos livros reportagens. E até hoje é um dos meus favoritos de todos os tempos. E anos depois li os outros dois dela: “Todo dia a mesma noite” (Intrínseca) e “Cova 312” (Intrínseca). O primeiro fala sobre o incêndio na Boate Kiss, como ocorreu e, principalmente, as histórias de quem estava lá naquela noite. Um livro muito forte, mas que deve ser lido. E o segundo, fala sobre todo o trabalho da Daniela em encontrar o corpo de Milton, um homem torturado e assassinado pela ditadura. Todos os livros dela são incríveis. Só não li um, lançado faz poucos meses: “Os dois mundos de Isabel” (Intrínseca). Mas já está me esperando aqui em casa.
Assista entrevista com a Daniela Arbex no Novas Clarices.
Rio de Janeiro
Chegamos no último estado do Sudeste. O Rio de Janeiro tem muitos nomes especiais na lista. Vamos começar pelas menções honrosas, que não são poucas: Cecília Meireles, Ana Cristina César e Elvira Vigna. Se lêssemos apenas os livros dessas três, já seria uma bela aula de escrita. Sem contar as nossas contemporâneas:
Ana Paula Maia
Lembra que lá em cima eu falei de uma segunda escritora que me fez criar o Novas Clarices? Depois de ler “Assim na terra como embaixo da terra” (Record), eu fiquei completamente boba em como a maioria das pessoas não conhecia nossas grandes escritoras. E a Ana Paula Maia com certeza é uma delas. O clima dos seus livros sempre é pesado e cru, sem romantização de nada. São homens com vidas sofridas em cantos escondidos do Brasil. Um ambiente que parece estar sempre com uma névoa de medo além de alguns toques sobrenaturais que deixam a leitura impossível de ser interrompida. Além do maravilhoso “Assim na terra como embaixo da terra” (Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2019 e que será adaptado para as telas em uma microssérie), “Enterre Seus Mortos” (Companhia das Letras, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2018) e “De Gados e Homens” (Editora Record) também são incríveis. Uma curiosidade: ela é a roteirista da série Desalma, que estreou em outubro no Globoplay.
Juliana Leite
A Juliana Leite foi a vencedora do Prêmio Sesc Literatura de 2018 na categoria romance com o incrível “Entre as mãos” (Record). Um livro que nos dá uma bela aula de escrita e de organização de texto. Porque, assim como a protagonista, a Juliana é uma artesã que costura as palavras, você pode ver isso em cada palavra encaixada. E com esses retalhos, temos uma história super potente sobre sobrevivência, amor, necessidade e superação. Sou fã da Juliana Leite.
Assista entrevista com a Juliana Leite no Novas Clarices.
Adriana Lisboa
Essa é uma das campeãs de indicação lá no Novas Clarices. Tanto nas entrevistas que faço com as autoras quanto nos comentários. E sempre em seguida, a pessoa acrescenta um “AMO” bem grande. Ou seja, temos aqui uma autora muito admirada. E não é por menos, né? A Adriana Lisboa tem muitos livros publicados e muitos prêmios. Vou destacar o “Hanói”(Alfaguara), uma indicação de ninguém menos do que Carola Saavedra, e é, de fato, um livro maravilhoso, e “Sinfonia em Branco” (Alfaguara), seu primeiro romance de 2003, que venceu o Prêmio José Saramago.
Alice Sant’Anna
A Alice foi a minha primeira leitura de 2020. E, como geralmente faço com poesia, quis ir aos poucos. Mas foi impossível, eu devorei o livro “Pé de ouvido” (Companhia das Letras). Entre tantos poemas incríveis, tem dois em especial que eu adorei, que nos mostram a vida, os pensamentos e os momentos de uma pessoa morando no Japão. E o mais incrível é que, ao mesmo tempo que sabemos muito sobre esta pessoa, também não sabemos coisas cruciais sobre ela, nem mesmo o nome. É lindo demais.
Que viagem, hein? E assim terminamos o nosso “pequeno” resumo sobre as escritoras do Sudeste. Espero que vocês façam uma viagem tão gostosa quanto eu quando lerem os livros. A próxima parada é o Centro-oeste. E aí, você tem alguma autora para indicar que não pode ficar de fora?
2 autoras contemporâneas, que vivem em BH, Laura Cohen e Constança Guimarães. Esta última tem um romance que saiu pela Uratau, chamado Ombros caídos olhando para o inferno. Bem impressionante.