Há dois meses, uma notícia surpreendeu o mercado de moda e de marketing digital: a Bottega Veneta, uma das mais conceituadas marcas de alto luxo do mundo, decidiu cancelar todas as suas contas nas redes sociais, exceto em uma plataforma da China.
Só no Instagram, a grife tinha mais de 2,5 milhões de seguidores e, de repente, não estava mais lá para oferecer conteúdo a eles. Na época, muitas foram as especulações: se seria algo provisório, uma jogada de marketing, uma estratégia de reposicionamento ou uma ação definitiva. Até hoje, muitas dúvidas ainda estão no ar. No mês passado, porém, um indicativo do caminho que a empresa tomaria apareceu: foi lançada uma revista digital, com conteúdo multimídia em torno da aura da marca.
Desde então, o mercado perguntou-se se outras empresas seguiriam o exemplo da Bottega Veneta, em um contexto em que cada vez mais as pessoas se conectam digitalmente e as redes sociais tornam-se uma das principais ferramentas de marketing e relacionamento com o público.
Segundo Henri Pinault, CEO da Kering, holding que detém a marca, nem mesmo as outras empresas do grupo vão adotar o mesmo caminho. “Por serem muito complementares, não queremos replicar a mesma coisa em todas as marcas. Bottega tem um posicionamento muito específico há anos”, disse.
A verdade é que uma marca com o público e o posicionamento da italiana é uma das poucas no mundo que talvez possa se dar ao luxo de não ter uma presença própria nas mídias sociais. Mesmo as grifes mais tradicionais, hoje em dia, buscam se aproximar das pessoas, posicionando-se como relevantes culturalmente, estimulando conversas e participando de discussões em diferentes comunidades.
Riscos e Vantagens
A estratégia tem seus prós e contras, e nem todos eles valem para negócios que são “reles mortais”, como é a maioria de nós.
1 – Branding e aura da marca
A Bottega Veneta é uma marca de altíssimo luxo e posiciona-se como super exclusiva, atraindo pessoas que apreciam a discrição, com produtos criados para serem reconhecidos por um público muito específico, de conhecedores do design da marca, já que foge da super exposição de logos.
Além disso, Daniel Lee, o super reservado diretor criativo da Bottega desde 2018, sempre se posicionou claramente contra as redes sociais. Além de não ter perfis próprios, já denunciou o clima de intimidação e negatividade que acredita prevalecer no ambiente digital: “Há um clima de bullying de playground nas redes sociais que eu realmente não gosto. Não somos apenas uma marca, somos uma equipe de pessoas que trabalham juntas e não quero participar de uma atmosfera que parece negativa”, disse em entrevista ao The Guardian.
Dessa forma, o fim dos perfis da marca faz todo o sentido e está alinhado ao seu branding e a como quer ser vista.
Apesar disso, não ter perfis não significa não estar presente. Por meio de influenciadores, celebridades e alguns perfis criados por fãs, um deles com mais de meio milhão de seguidores, os produtos continuam aparecendo em posts e, talvez, até com mais frequência do que antes.
Um luxo ao qual a maior parte das empresas não pode se dar.
2 – Audiência emprestada
Mesmo com um público super engajado, deixar o controle das narrativas sobre a marca nas mãos de fãs e influenciadores é, ao mesmo tempo, favorável e um risco.
Por um lado, economiza um grande investimento na manutenção de perfis e criação de conteúdo próprio, além do conteúdo gerado por terceiros geralmente ser considerado mais confiável. O megabudget digital pode ser direcionado para outros projetos potencialmente mais inovadores e que conversem diretamente com os clientes que realmente compram.
Por outro lado, significa abrir mão de ter audiência própria e, sempre que uma campanha for realizada, ter que comprar ou “emprestar” o público de alguém, como é feito com comerciais veiculados em revistas e TV, por exemplo.
Nesse sentido, para negócios de qualquer tamanho, é muito melhor ter um público próprio e as redes sociais permitem isso atualmente.
3 – Liberdade criativa e propriedade de conteúdo
Depois de deixar as redes sociais, Bottega Veneta lançou uma revista digital multimídia, sem textos, apenas com fotos, vídeos e música, recheada de imagens artísticas e conceituais, que ajudam a construir o universo da marca. “Eu queria fazer algo alegre”, disse Lee.
Para ele, uma publicação própria significa um espaço de maior liberdade criativa e mais profundidade para expressar suas ideias. “A mídia social representa a homogeneização da cultura”, disse o jovem de 35 anos ao Guardian. “Todos vêem o mesmo fluxo de conteúdo. Penso muito sobre o que faço e as mídias sociais simplificam tudo demais.”
Para qualquer marca que tenha estrutura e recursos disponíveis para investir, ter também uma plataforma de conteúdo proprietária, como um blog, uma revista online ou um portal de notícias, é uma boa estratégia. Apesar do poder das redes sociais, é sim um risco deixar todos os seus ativos (seu conteúdo e seu público) nas mãos de outra empresa. Imagine que amanhã o Instagram decida encerrar suas atividades, quanto do seu negócio você perderia? Já pensou nisso?
No entanto, algo que a Bottega Veneta, que tem um público bem específico, não fez e seria recomendável para outras empresas é utilizar o novo canal para captação de contatos do público e construção de uma base de dados própria.
4 – Falta de troca
Uma das maiores vantagens das redes sociais é poder conversar diretamente com o público, tanto para fortalecer o relacionamento, quanto para receber feedbacks que possam ajudar a melhorar os produtos e o negócio.
Em uma revista no formato criado pela Bottega, o canal de apenas uma via permite que o público receba a informação, mas não possa interagir.
Sentir-se participante é um dos maiores desejos dos consumidores hoje e as redes sociais ainda são os melhores canais para isso.
5 – Detox digital
Para um negócio baseado em criação, assim como para qualquer profissional da área, pode ser necessário dar uma pausa nas redes sociais para estimular o lado criativo.
Com um tsunami de conteúdo pasteurizado nos impactando todos os dias, essa é uma necessidade sentida por cada vez mais pessoas. Dar um tempo e olhar para além das redes sociais pode ajudar muito na criação de conteúdo mais criativo.
Mas, quem não tem milhões de fãs no mundo todo e uma marca sólida, como a Bottega Veneta, só tem que tomar cuidado pra não acabar esquecido.
Quem não é visto, não é lembrado
Mesmo sem gostar, a realidade é que para a grande maioria das empresas (e quem sabe até a Bottega Veneta venha a perceber que para ela também), estar presente e atuante nas redes sociais não é uma escolha, é uma necessidade.
Principalmente consumidores mais jovens valorizam cada vez mais a experiência e os valores das marcas. Participar de conversas e disseminar conteúdo que engaje e possa ser compartilhado e comentado nas redes é uma das melhores formas de se fazer isso.
Quanto mais presente uma marca está, mais pontos de contato ela tem com seu público. Uma marca que passa a fazer parte do dia a dia de alguém é uma marca que vai ser lembrada na hora da compra.
Vi, amei o texto e a reflexão que ele gerou. Realmente é pra se pensar até ponto vale ficarmos simplesmente reproduzindo as mesmas estratégias (em redes sociais) para todas as marcas. Eu adoro pensar em formas diferentes de se comunicar e acredito que, no mínimo, a gente deva tentar, testar, experimentar novas abordagens.
Excelente matéria e detox digital me identifico pois ando fazendo isso haha.
Então, acho muito válido o ponto de ter a relevância nas redes sociais pra engajamento e etc. Mas fico pensando por exemplo aqui o Update, onde eu consumo a newsletter e não os posts nas redes. Claro que provavelmente conheci o site por alguma delas mas se a marca já tem o público, será que ela não pode se dar a esse luxo de fazer seu próprio conteúdo e sem precisar ter a pasteurização falada?
Parabéns pelo texto, vamos conversar!
Saudações, Tom
Obrigada, Tom! Que bom que gostou! Vamos conversar, sim! Me chama na DM lá no instagram. :)