Os sentidos humanos são a porta de entrada para nossa compreensão de mundo e relação com outras entidades, sejam seres vivos, objetos ou ambientes. Pode-se dizer que moldamos nossa compreensão do mundo físico por aquilo que vemos, ouvimos, sentimos, tanto na interpretação racionalizada dos estímulos sensoriais como no impacto emocional que muitos deles podem ter.
Este texto tem como base o artigo de Petit, Velasco e Spence (2018), que explora possibilidades de ativação multissensorial no marketing sensorial por meio de tecnologias digitais. O artigo original traz também iniciativas tecnológicas (dispositivos e interfaces) que buscam tornar cada vez mais tangível sentidos que usualmente não processamos em ambientes online. Outras referências complementares são citadas ao longo do texto.
PRA COMEÇAR, QUANTOS SENTIDOS TEMOS?
Nao há consenso quanto a isso.
Embora tenhamos nos habituado a referir-nos aos 5 sentidos aristotélicos básicos – visão, audição, tato, paladar e olfato – diferentes cientistas divergem sobre quantos sentidos efetivamente temos (sabe-se que mais que estes 5).
Olhando os mecanismos fisiológicos que respondem a estímulos internos e externos, já se considera uma expansão dos sentidos originais, incluindo, por exemplo outros como a termocepção (perceber alterações térmicas no ambiente), a propriocepção (reconhecer a localização espacial do corpo – feche os olhos e veja como consegue acertar a ponta do nariz com o dedo) ou a nocicepção (transdução de sinais em resposta a estímulo nocivo externo – a “dor”).
Esta diferenciação se dá pelo fato de estruturas distintas estarem envolvidas no processamento dos estímulos recebidos; quer dizer, ainda que possam estar localizadas em um mesmo órgão (por exemplo, a pele ou o ouvido), diferentes componentes processam estas diferentes sensações. E estes são só alguns exemplos dessa expansão aceita sobre os “sentidos humanos”.
Importante mencionar, porém, que o cérebro integra múltiplos estímulos sensoriais para fazer o registro de uma experiência. E a exposição ou lembrança de algo gera reações nas mesmas áreas cerebrais que registraram a experiência sensorial original. (Simons, Martin e Barsalou, 2005; Krishna, 2012).
Em 2012, a rede Dunkin Donuts, que, em Seul (Coréia do Sul), é vista mais como uma cafeteria do que uma loja de rosquinhas, instalou equipamentos em alguns ônibus da cidade que emitiam aroma de café cada vez que o jingle da empresa tocava na rádio sintonizada nos coletivos.
Como curiosidade, há uma condição neurológica bastante intrigante que mistura os sentidos, atribuindo interpretações de um em outro: a sinestesia. Esta violinista buscou traduzir como é enxergar a música:
Bem, a maior parte dos sentidos tem um caráter defensivo, ou seja, eles servem para nos proteger de algo que possa danificar nosso organismo – algumas vezes gerando reações instintivas, como tirar a mão do fogo.
Porém, os sentidos também processam estímulos muito mais prazerosos, que nos ajudam a criar conexões emocionais com algum evento (um acontecimento, um lugar, uma pessoa) e, justamente por isso, passou a ser utilizado pelo marketing como uma ferramenta de envolvimento do consumidor, o que acabou sendo cunhado como marketing sensorial.
MARKETING SENSORIAL
Embora seja comum encontrar descrições de uso do marketing sensorial em pontos-de-venda (lojas físicas, por exemplo), muitos outros pontos de contato têm a capacidade de relacionar uma marca com uma experiências sensoriais (Spence, 2012).
Por exemplo, a forma como as embalagens dos smartphones deslizam, o plástico protetor que se desgruda de uma tela, os odores especialmente criados para veículos de uma marca de automóveis são outros exemplos bastante claros do uso de estímulos sensoriais para criar um momento único que, pela carga emocional (experiência) possa ser registrado mais profundamente na memória de longo prazo.
Em essência, os sentidos podem ser trabalhados em qualquer pilar do mix de marketing, até mesmo no preço, já que o som de um preço resulta em percepções distintas nos consumidores (Coulter & Coulter, 2010).
E, como já dito, a interpretação do consumidor se dá de forma integrada entre os sentidos. Ao comer uma Ruffles, o cérebro registra não apenas seu sabor, mas a textura da batata, as cores da embalagem e curvatura do tubérculo, o creck que ela faz ao morder, a sensação oleosa em seus dedos… todo este conjunto de sensações compõem a experiência de consumo (Papies & Barsalou, 2015).
Tanto que a exposição posterior de um indivíduo àquele produto reproduz mentalmente tais sensações, ou seja, o cérebro simula estas representações multissensoriais nas mesmas áreas recrutadas durante a experiência de fato (Simmons, Martin & Barsalou, 2005).
EMULANDO SENSAÇÕES
Bom, é fácil imaginar as possibilidades em uma experiência de consumo tangível, como no uso de um produto, a visita a uma loja física, um restaurante, um parque temático. Entretanto, como usar técnicas de marketing sensorial em um ambiente online, já que não há tecnologia amplamente disponível que permita aos consumidores (usuários?) tocarem, sentirem o odor ou provar um sabor, por meio das interfaces digitais?
De início, a visão é responsável pela maior parte dos estímulos em um ambiente digital não imersivo (que mantenha a distinção entre o ‘real’ e o ‘virtual’, diferentemente da realidade virtual, por exemplo). Assim, questões como resolução, cor, profundidade, tamanho e posição de elementos gráficos têm impacto direto na projeção mental de tais produtos. O uso de representações 3D ou (mais) imersivas, como realidade aumentada ou virtual reforçam o distanciamento da realidade física.
Contudo, tecnicamente, é possível explorar os dois sentidos (atualmente) disponíveis em ambientes digitais – visão e audição – de uma forma muito mais rica.
Alguns estudos que buscavam entender como nosso cérebro processa estímulos sensoriais comprovaram um ponto interessante: a ativação das sensações integradas foram observadas quando um OU outro sentido é estimulado. Por exemplo, ver a foto de uma comida (visão) ou escutar seu nome (audição) podem ativar os córtices cerebrais olfativo e gustativo – nosso cérebro, mesmo de forma mais tímida, traz de volta da memória odores e gostos associados àquela comida.
A leitura labial pode ativar o córtex auditivo (Calvert et al. 1997) – escutamos o movimento da boca; ver alguém segurando uma comida pode ativar áreas do cérebro relacionadas ao movimento (córtex motor) (Basso et al. 2018).
Assim, demonstrações visual que estimulem a projeção perceptual de sentidos ausentes em ambientes digitais podem emular tais sentidos, o que Pessoa e de Weerd (2003) nomearam de, em tradução livre, complementação perceptual.
Diferentes experimentos demonstraram que é possível ativar diferentes sentidos por meios de todos outros, ou seja, a visão pode ser ativada por meio de estímulos hápticos* ou sonoros, o olfato pode ser ativado por meio de estímulos visuais, sons podem induzir sensações de toque… e assim por diante. * o ‘tato’ é entendido hoje como um conjunto de, no mínimo, três sentidos: o háptico, que avalia texturas, a termopercepçao – variações de temperatura – e a nociocepção – grosso modo, “dor”.
Além do claro uso de imagens que permitam tangibilizar mentalmente um produto sendo exibido em uma tela, os autores do artigo original mencionam outras possíveis abordagens para aumentar a imersão multissensorial como (a) utilizar efeitos sonoros, (b) utilizar a funcionalidade de vibração dos smartphones como efeito de reação (algo que, por exemplo, o aplicativo da Amazon já faz quando se coloca um novo produto no carrinho de compras), (c) permitir com que os consumidores dêem zoom ou rotacionem as fotos com seus dedos.
A partir de múltiplos experimentos, o artigo original traz algumas conclusões de como usar os sentidos atualmente possíveis de serem ativados em ambientes digitais – visão / audição – para se trabalhar a complementação perceptual, ou, a emulação da sensação de outros sentidos.
Visualização de produtos por diferentes ângulos
Isto inclui a disponibilização de fotos que retratem diferentes visões do produto, vídeos que mostrem movimentos de rotação do produto (o que daria maior senso de autorreferência e maior preferência por este produto). Isto envolve não apenas uma rotação no mesmo plano, mas também rotações esféricas.
Nesse sentido, um experimento em ideação aqui é avaliar se ângulo de uma imagem também pode indicar maior ou menor grau de movimento. Por exemplo, fotos em POV (point-of-view) do momento do consumo causariam maior projeção do consumidor na cena e, consequentemente, um comportamento mais favorável.
Conteúdos visuais que denotem dinâmica (movimento; transformação)
Isto significa construções estáticas que dão a sensação de movimento, como, por exemplo, fotos onde o objeto (produto) esteja sob ação da gravidade; ou ‘indo em direção’ a pessoas ou mãos. O estímulo para mentalização de transformação (movimento, compressão, expansão, etc) melhoram a avaliação da imagem por consumidores (Cian, Krishna e Elder, 2014).
Outro exemplo, imagens ou vídeos que mostram mãos segurando alimentos ativam o córtex somatossensorial (percepção de tato, dor e calor) e motor (controle de atividades motoras; movimento) e podem estimular o consumo de tais alimentos.
Pistas olfativas e gustativas
Algo já bastante explorado; trata-se do uso de elementos gráficos que, a partir de imagens, projetem estímulos de outros sentidos, como a fumacinha no café quente, o gelo no copo de cerveja ou a textura de uma roupa de cama em suas dobras esvoaçantes.
Emulação de sensações hápticas
Um campo de estudo particular trata de pessoas com maior ou menor necessidade de toque para compreensão de algo (em inglês, mede-se o NFT – Need for Touch – Peck & Childers, 2003). A emulação destas sensações podem se dar por descrições de produtos que incorporem termos hápticos (no vídeo abaixo, Magnum é um sorvete aveludado).
A imagem de mãos interagindo com tecidos (ou dos próprios tecidos acomodados em si mesmos) resultaram em maior impacto, ainda mais em dispositivos cuja interação se dava por meio do toque direto na imagem do produto (smartphones, tablets, totens touch-screen versus computadores + mouse).
Cores claras passam a sensação de que um produto é mais leve (peso), o que também acontece quando este produto é exibido em porções superiores da tela (ou anúncio).
Exibitécnica digital
Exibitécnica é um conceito geralmente usado em merchandising; refere-se à disposição dos produtos no ponto de venda (ou na gôndola, se alguém ainda usa este termo :)) de forma a otimizar sua visualização e, espera-se, preferência na escolha.
No ambiente digital, isto pode ser traduzido na usabilidade durante o processo de shopping (seleção de produtos) de uma loja online, quando diversas opções de marcas, modelos e suas variações são exibidos em uma mesma página/tela.
Neste aspecto, algumas outras colocações do artigo original são:
- Pessoas encontram produtos alimentícios mais rapidamente quando há congruência entre a cor da embalagem e o sabor/cor do produto;
- Formas arredondadas (no logo, embalagem em si, imagens, fontes) incitam percepção gustativa doce enquanto formas mais anguladas incitam melhor sabores salgado, amargo e azedo (sour);
- As cores rosa, branco, verde e preto, respectivamente, incitam a percepção gustativa de doce, salgado, azedo e amargo.
Autoprojeção por meio de representações virtuais (avatares)
Uso de avatares com características dos consumidores – ainda que não necessariamente ultra realistas – para provar roupas e acessórios corporais (óculos, brincos, etc). O uso de fotos próprias dos consumidores, porém, aumenta a confiança nas escolhas.
Embora atualmente estejamos limitados à, por meio da manipulação visual e auditiva, buscar a ativação emulada dos outros sentidos, existem diversas iniciativas que têm como objetivo tangibilizar tais sensações, como dispositivos residenciais que combinem moléculas e emitam aromas no ambiente de acordo com o site que você acessa (entrou no Burgerking.com, começa a sentir o aroma de hambúrguer) ou ainda a produção artificial de aromas por meio da estimulação elétrico do bulbo olfativo.
Todas estas discussões, ideias e projetos estão sendo referenciados como uma nova instância dos meios digitais, a Internet of Senses (IoS), ou, a Internet dos Sentidos, prevista para impactar a sociedade ao redor de 2030.
Isto significa que seu/sua futuro/a filho/a poderá muito em breve questionar: mas pai/mãe, como assim vocês não sentiam os cheiros quando assistiam esse tal de Youtube?
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mt bom