Os cientistas Randall (Leonardo DiCaprio, notório ativista, fazendo uma versão com PHD de si mesmo) e Kate (Jeniffer Lawrence) entram no salão oval, na Casa Branca, pra dizer que o mundo vai acabar em seis meses. A presidente (Merly Streep) dá de ombros. Por mais que eles gritem e digam com todas as letras possíveis, ninguém está preocupado com um meteoro de 10km em direção ao planeta terra.
“Não olhe pra cima” (Don`t look up, 2021) não faz esforço nenhum pra ser sutil. Bota a crise climática no centro, dá espaço para caricatura rasgada de personalidades políticas e celebridades, e expõe cruelmente a falência da sociedade como um todo.
Quem dirige e escreve “Não Olhe pra Cima” é Adam Mckay, que vem de outros dois sucessos recentes: “A Grande Aposta” e “Vice”. Em ambos, Mckay explora o ridículo do poder invertendo os polos entre quem lidera e quem acha que lidera o mundo, justamente pra mostrar que o único interesse acima da vida é o lucro. Não há nada que façam os poderosos terem mais ânimo do que salvarem a própria pele e ainda fazerem uma montanha de dinheiro com isso.
Se em “A Grande Aposta” o final dos tempos acontecia na forma de uma crise financeira, em “Vice” ele explora a Guerra como a máquina de moer pessoas. “Não Olhe pra Cima” junta os dois filmes em um liquidificador pra extrair a falta de bom senso que vazou dos escritórios políticos e financeiros pra se transformar na regra, não na excessão. Todo mundo sabe o que está acontecendo. Não é surpresa nenhuma!
Mas o que faz de “Não Olhe pra Cima” uma obra diferente dos milhares de documentários, matérias jornalísticas, dados e pesquisas que avisam sobre a destruição iminente da terra, ou mesmo os filmes-catástrofes, como “Impacto Profundo”, dos anos 90, e “O Dia Depois do Amanhã”, de 2004, é a farsa. O puro deboche livre de julgamento moral que transforma os fatos em situações absurdamente plausíveis.
A direção de Adam Mckay é dinâmica e segura pra manter a tensão fluindo apesar do sarcasmo. Não é uma tarefa fácil. Principalmente porque o final é óbvio, e Mckay não liga muito se estamos torcendo para que as coisas deem certo. A destruição é um recado muito bem dado e vai acontecer. Ele equilibra esses elementos sem tirar a responsabilidade do espectador. Mas, o coloca-o como testemunha de que toda essa imbecilidade tem o nosso patrocínio. A edição também é ótima em cruzar os momentos dramáticos e cômicos borrando a fronteira entre eles até que não saiba exatamente onde está a graça naquilo tudo. E a trilha de Nicholas Britell (compositor habitual do diretor, e responsável pela música da série Succession) é igualmente poderosa, incomum em filmes do gênero e serve de perfeita trilha sonora para o final desses tempos.
Li por aí que se a estreia de “Não Olhe pra Cima” fosse alguns anos antes, com alguma distância dos fatos e personalidades que ganharam espaço nos últimos anos, como Donald Trump e Elon Musk, o efeito do filme seria muito maior. Eu discordo. É justamente por funcionar como um aviso já “velho”, que não supera a realidade por mais que tente ao criar situações absurdas, como o genial single cantando pela Ariana Grande em determinado momento do filme, é que “Não Olhe pra Cima” é tão forte.
A farsa pode ter “perdido” timing sensitivo, mas não perdeu força. “Não olhe pra Cima” é um filme urgente. O mundo morre enquanto pessoas jogam vôlei ao lado de um vulcão em erupção. Muito mais do que propor uma reflexão do tipo “ei, é isso mesmo que vai acontecer”, Mckay usa o maior serviço de streaming do mundo pra, ironicamente, vender que não existe solução. O filme não é um aviso. É mais um teaser. E fora da Netflix , tá tudo bem? Parece que sim.
Há uma cena, quando Randall e Kate falam com dois jornalistas interpretados por Cate Blanchett e Tyler Perry (ambos ótimos) que vira o filme. Aquele início zombeteiro, com diálogos pops (Olha aí a “the dragon with the girl tattoo” causando, diz Jonah Hill quando vê o visual da cientista Kate), se transforma em um filme de riso envergonhado, cruelmente divertido e incômodo a cada nova cena.
Aos poucos, o que deveria ser uma diversão (deveria mesmo?) ganha o peso de uma cruel realidade. A farsa ganha as cores do que veremos amanhã, em algum jornal, e “Não Olhe pra Cima” dá outro salto em direção ao niilismo. A sutileza do genial roteiro de Mckey existe (tão visual quanto textual), mas a gente quer olhar para o outro lado, elege quem mente descaradamente, opta por representantes que nunca pensaram na vida em sociedade.
E mesmo quando ele dá uma piscadinha pra outros filmes que satirizaram suas épocas, como “Rede de Intrigas” e “Doutor Fantástico”, o faz de maneira criteriosa pra não desviar a atenção do principal: o problema não desaparece se a gente deixa de olhar, ok? E todos nós que fazemos parte dos 99% da população sem dinheiro e sem poder, temos pouquíssimas chances. O 1% rico, idiota, egocêntrico e poderoso já definiu a data e a hora do fim. Torça para ter alguém legal ao seu lado quando acontecer.
Isso é Adam McKay sendo otimista.
nossa, torcendo muito pra 2022 ser um ano mais são! :D
Bobo.
Muito bom Leo. isso é muito Black Mirror… e isso é muito atual hehehe, infelizmente. A arte, principalmente a comédia, quando acerta na crítica nos faz pensar e nos faz enxergar nosso reflexo nesse espelho. Quem sabe 2022 não traz um pouco mais de sanidade!! Torcendo! 😉