Porque sorrir era coisa de bundão. E ninguém queria um papelzinho rodando por aí com sua bundonisse estampada para a posteridade. Gente séria… é séria.
Quando surgiu a fotografia, e com ela os primeiros retratos, não existia essa coisa de fotografar “momentos”. A fotografia era uma substituta mais prática da pintura.
A própria palavra “retrato” vem do Italiano RITRATTO, “fazer a efígie de uma pessoa”, do Latim RETRACTUS, particípio passado de RETRAHERE, de RE-, “para trás”, mais TRAHERE, “tirar, puxar”, algo como “tirar fora” uma imagem.
Arrancava-se algo da pessoa. Tem algumas culturas, a maioria indígena, que até hoje não deixam ninguém tirar foto com medo de perder a alma.
Fotografia era isso: retratar pessoas. Registro. Documento.
E não era qualquer pessoa, já que a novidade era um privilégio apenas dos mais importantes, como generais, governantes, e homens de negócios. E como seriam imortalizados, era importantíssimo que trouxessem a atitude correta em suas poses.
E aí ficavam todos com aquela cara de ficha de delegacia.
Engraçado como a sisudez até hoje é associada com responsabilidade. Terno, gravata e cara fechada. Por que será que tanta gente ainda cai nessa?
Acho que a única exceção é aquela fotinho do autor na orelha do livro de negócios, sempre impecável, mas com um sorrisinho duro, afinal “sou sério e inteligente, mas sorrio porque também quero que você compre o meu livro”.
Essa mudança na linguagem e na “função” da fotografia é uma coisa que faz pensar.
Começamos com essa história da pose séria. Depois mudamos para os registros de “momentos” e toda uma técnica para deixar tudo o mais espontâneo possível. Xis, olha o passarinho, etc. E hoje a fotografia virou comunicação pura, mensagem mesmo, uma alternativa ao texto. Cartões postais misturados com diários coletivos. Não me diga onde está nem o que está fazendo. Me mande uma foto.
E não é que a tal pose com atitude projetada do começo da fotografia voltou com tudo?
Preste atenção em qualquer adolescente diante de uma oportunidade de clique. Eles entram em modo “pose” automaticamente, nem percebem. E sabem EXATAMENTE como se posicionar (até bêbados): o melhor ângulo, a inclinação de tronco para dar aquela valorizada no corpitcho, o bico de pato (o maior mistério do mundo), etc.
Uma geração que já cresce sabendo (ou pelo menos tentando bravamente) como administrar seu próprio personagem digital. E que já tem engolido o de carne e osso, já que por escrito e/ou retratado são mais fáceis de serem criados. Sabem o poder que uma imagem tem quando é propagada pelas redes, e o que podem fazer com elas.
Parece que essa mais recente revolução na fotografia trouxe outra ainda mais interessante: a revolução social do mkt pessoal.
Se Freud ainda fosse vivo acho que faria uma revisão nas suas teorias: agora tem ego, alter ego e digital ego. E muito, por causa da fotografia. Louco hein?
Sorria!
Texto genial. Parabéns.
Ótimo matéria.
Tem tudo a ver com o momento atual do ser humano.
Como dizia uma matéria que li mês passado:
-O ser humano está na fase do EXIBIR (antes as fases SER e TER), daí talvez a preocupação em se prepararem automaticamente na foto dando aquela impressão daquilo que NÃO SÃO para obterem aquilo que NÃO TÊM.
“Na vida cada um procurar o que não tem. Uns dinheiro, outros talvez ideal.”
Já ouvi dizer que o tempo de exposição para registrar a fotografia era mais longo, de modo que era importante permanecer parado, e ficar parado sorrindo, depois de um tempo, fica sinistro… Será que essa informação procede?
Adorei o post! Pelos últimos eventos que andei fotografando, as adolescentes estão substituindo o estranho bico de pato pela língua de fora – no moderno(?) estilo da banda Kiss.
“(…pelo menos tentando bravamente) como administrar seu próprio personagem digital.” Disse tudo!
Fizemos um filme para a Bavaria com esse tema. Foi na Publicis, em 2005.
Link:
https://vimeo.com/m/21887545
Hahaha caramba! Boa David!
oi! também não era também por as máquinas de antigamente demoravam muito para tirar a foto e a pessoa tinha que se manter estável durante um período de tempo ou arruinava a foto?
Pode ser, mas acho que o que demorava era o preparo da foto. O clique em sí, não demorava. O fotógrafo demorava pra trocar o filme, focar etc, mas na hora do clique, era rápido, daria pra sorrir.
A primeira foto demorou 8 horas pra ser tirada. A Camila tem razão. Por isso que antes dessas fotos de pessoas, só se fotografava paisagens, para que não houvesse mudanças e movimentos no assunto fotografado
Na segunda foto, aquela da família que não possuía televisão, a terceira criança, da direita para a esquerda, começou a quebrar essa regra…
Por isso tem um “putz” lá ;)
mto legal
Marcos Faunner
ótimo texto!
https://vimeo.com/m/21887545
Engraçado, fizemos um filme a respeito para a Bavaria na Publicis, em 2005.
Link acima.
faço isso até hoje. ‘-‘
Bom conteúdo, como sempre é de praxe nos seus textos.
Só arruma aquele “exceção” ali no meio (sorry for correcting you).
Abs!
Opa, corrigido! Obrigado Marcelo.
Porque não existia Listerine Whitening.
Putz : )
Excelente matéria, ja me peguei pensando nisso, mas nunca fui tão longe!
Pq sorriem hj?
Tuane Siqueira
Imagina os dentes dessa galera!
Good point!
Vai ver era por isso tb. É difícil levar alguém a sério qdo o mesmo é banguela… Rs… Fica cômico, pra falar o mínimo.
Sim, certamente era um motivo forte também.
Ah, mas conseguimos sorrir sem os dentes :) ou com eles :D
Mas afinal, Mona Lisa sorriu?