Todo ano é a mesma coisa: uma parcela de pessoas se junta para acompanhar e comentar um reality show em que participantes são confinados em uma casa cheia de câmeras. No jogo da “realidade”, relacionamentos e alianças são formadas visando a sobrevivência. Só existe um grande vencedor, que sairá milionário do confinamento.
Porém, há alguns anos existe uma possibilidade para quem não vencer o prêmio principal do Big Brother: ficar famoso ou, pelo menos, famoso o suficiente para ganhar dinheiro como influenciador, fazer publicidade ou qualquer outro caminho que a fama impulsione.
No entanto, é comum os derrotados saírem da forma oposta. Podem sofrer o julgamento negativo extremo, perder ou deixar de ganhar seguidores, ou pior: serem cancelados. Está aberta a temporada de julgamentos sem limites.
Gostamos de julgar, mas não de ser julgados?
Na verdade, a questão é outra: o ser humano tende a gostar de sobressair perante o outro. É o que chamamos de “moeda social”, algo comum e latente nas redes sociais.
Yuval Noah Harari, historiador e filósofo, na obra “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, acredita que a fofoca, compartilhamento de informações pessoais, foi um dos principais fatores que desenharam a evolução humana.
“Os neandertais e os homo sapiens arcaicos provavelmente também tinham dificuldade em falar pelas costas dos outros — uma capacidade muito difamada, mas que é essencial para a cooperação coletiva. As novas habilidades linguísticas que o sapiens moderno adquiriu cerca de setenta milênios atrás permitiram que eles fofocassem por horas a fio. (…) A teoria da fofoca pode parecer uma piada, porém numerosos estudos a confirmam. Mesmo hoje em dia, a vasta maioria da comunicação humana (…) é composta de mexericos.”
Julgamos o feed de amigos, familiares, colegas, personalidades e celebridades. Comentamos a vida alheia transformando-a em novela. Da mesma forma, compartilhamos o nosso cotidiano sem qualquer pudor.
O professor Ph.D de marketing, Jonah Berger na obra, “Contágio: Por que as coisas pegam” pondera que o ato de compartilhar informações pessoais nos seguem pela vida inteira.
“Contamos aos amigos sobre nossas compras de roupas novas e mostramos aos membros da família o artigo que estamos mandando para o jornal local. Esse desejo de compartilhar nossos pensamentos, opiniões e experiências é um motivo pelo qual a mídia social e as redes sociais on-line tornaram-se tão populares. (…) Conforme muitos observadores comentaram, as pessoas viciadas em redes sociais hoje em dia parecem não conseguir parar de compartilhar — o que pensam, gostam e querem — com todo mundo, o tempo todo”.
Berger segue narrando que este fenômeno não é somente por vaidade, mas sim que as pessoas são programadas para achar isso prazeroso. Ele cita um estudo realizado em Harvard onde indivíduos foram conectados a scanners cerebrais e instigados a compartilhar as próprias opiniões e atitudes ou as de outras pessoas.
O resultado do estudo foi que o compartilhamento de opiniões ativou os mesmo circuitos cerebrais que reagem a recompensas como comida ou dinheiro. Não é a toa que no marketing um dos gatilhos para estratégias de conversão e vendas se chama exatamente “Moeda Social” — essencial para estimular o compartilhamento.
Como usar o julgamento a nosso favor?
Chip Kidd, designer gráfico especialista em capas de livros, sabe bem a importância da primeira impressão causada pelo primeiro olhar. Afinal, quem nunca julgou o livro pela capa?
Na obra Julgue Isto, baseada em sua palestra no TED, Kidd dá dicas sobre como aproveitar o julgamento a favor do profissional que lida com essas primeiras impressões.
Ele enfatiza que nem sempre as coisas devem ser tão claras, pois um pouco de mistério é essencial para vender uma boa primeira impressão. Instigar faz parte da estratégia.
“O que realmente importa não é o fato de que julgamos, mas como julgamos. É com a inteligência? A empatia? A compaixão?”
Para o designer gráfico, dois aspectos importantes da primeira impressão estão em extremos opostos de um espectro: Clareza e Mistério.
“Na Era do Excesso de Informação, todos vimos coisas que se dariam melhor com um pouco mais de mistério”, reflete incluindo uma alusão às irmãs Kardashian.
Aprenda a julgar: lições do designer Chip Kidd
Kidd propõe um desafio em todo o livro. Ele apresenta fotografias tiradas por ele próprio de coisas cotidianas, projetos, marcas e fatos encontrados rotineiramente em Nova Iorque.
Ele desenvolveu o Misteriômetro, onde apresenta o grau de mistério ou clareza das coisas. Dessa forma, pondera se a proposta do designer faz sentido ou não.
Lição 01: Quando devemos ser claros
Para Kidd, isso depende muito da mensagem que você quer passar. “Devemos ser claros quando precisamos que as pessoas nos entendam de imediato. Queremos que os outros sejam claros quando precisamos de informações importantes e específicas”.
Ele acredita que aplicar essa ideia ao design (mas acredito que podemos aplicar em qualquer ofício), em nossa vida cotidiana, tudo começa a ficar mais claro. Segundo ele, vale até para votos de casamento!
“A Clareza é sincera, direta, racional, básica, honesta, perfeitamente legível. Sem firula”.
Mais claro, impossível. Porém, ele ressalta que não serve para tudo, pois as coisas muito claras, podem ficar “sem sal”.
Um grande exemplo de conteúdo ou informação que utiliza a clareza, é um semáforo de trânsito. Tanto as cores, quanto a posição e até algumas de suas versões, são idealizadas no intuito de assimilação rápida e fácil. Não é à toa que o conceito (Vermelho = Pare, Amarelo = Atenção e Verde = Siga) foi levado para outras ferramentas tanto no meio real quanto no digital.
Lição 02: Quando devemos ser misteriosos
Sempre na linha tênue do charme e da decepção (impossível não lembrar da série Lost), o Mistério é uma ferramenta extremamente poderosa, relata Kidd.
“Devemos ser misteriosos quando queremos chamar a atenção das pessoas e mantê-las interessadas, quando queremos que o público se esforce mais — quando, vamos ser francos, temos algo a esconder”, escreve o designer.
Todavia, Kidd também entende que o Mistério pode ser aterrorizante: “dores fantasmas, mudanças súbitas, comportamentos irracionais, perda de poder. A Ameaça do desconhecido”, cita.
“O Mistério é, naturalmente, muito mais complicado que a Clareza, e tento criar um equilíbrio entre os dois”.
Um exemplo do mistério bem aplicado está em narrativas de podcasts, livros, séries e filmes de diferentes gêneros. Mas, para citar um diretor que emprega bem o mistério é o Christopher Nolan. Um ótimo exemplo é o filme A Origem, cuja narrativa trazia uma história que mistura investigação, memórias, sonhos e missões. O marketing do filme explorou trailers misteriosos, site enigmático, marketing de guerrilha e outras formas para estimular a curiosidade e o boca a boca sobre a produção.
Julgue apenas se for capaz
A cultura do compartilhamento, da moeda social e do julgamento nas redes sociais trazem também a cultura do cancelamento, que pode acontecer a qualquer momento e com qualquer pessoa. Em um mundo cada vez mais polarizado e com inúmeras fake news surgindo diariamente, ponderar sobre conteúdos próprios e de terceiros antes de simplesmente colocá-los à prova, pode ser eficaz e saudável para evitar a culpa, a desinformação e o linchamento.
Até mesmo programas como o Big Brother podem trazer lições valiosas sobre posicionamentos e seus julgamentos. Seja sobre como colocar sua imagem pessoal para juízo da sociedade, seja como evitar julgar pessoas com intuito difamatório, preconceituoso ou de cancelamento sem limites.
Amanhã, o julgado poderá ser você.