Sou fã de histórias que conseguem ser construídas a partir de um aparente nada.
Olhar para algo comum e expandir-lo para além do que é visto – imaginar o que se passa na mente de quem vive o insignificante; explorar o “e se” de circunstâncias que, a princípio, não trazem nada de especial.
Não desmerecendo a escrita sobre mitos e a construção de mundos fantásticos (aqui ou em Hogwarts), é particularmente envolvente imaginar que em cada frame do dia-a-dia habitam possibilidades, reais ou imaginárias, como em enredos desconhecidos dos personagens sentados nas calçadas ou no exercício imaginativo de que, por trás daquela patética cena.
Brincava com uma ex-namorada de observar os casais nos restaurantes e sugerir falas para suas conversas embasados em suas feições. Mais que a qualidade da comida ou as últimas repercussões da guerra na Ucrânia, diálogos criados aleatoriamente poderiam conduzir nossa imaginação a contextos alternativos e a realidades ficcionais (não fantásticas) dignas de um conto de Guy de Maupassant.
Para construção de histórias não precisamos, então, de acontecimentos extraordinários. Meteoros em direção à Terra ou uma invasão de alienígenas naturalmente atrairão a atenção pela inusitude; conquistar esta mesma atenção explorando os pensamentos das pessoas na fila do pão, ah, esta é uma aplicação criativa da partícula fundamental das histórias: “e se?“.
Fica, assim, o convite para explorar a criatividade narrativa em cenas cotidianas; na fila da padaria, na mesa ao lado ou naquela reunião corporativa sem utilidade, pode-se assumir que alguém está a pensar algo que sirva como ponto de partida para uma imersiva história.
Esta reflexão ao (re)encontrar um curta-metragem de 2007, que traz pensamentos filosóficos em uma habitual espera por um ônibus:
O Paradoxo do Ônibus (Direção de Christian Caselli, ilustração de Gabriel Renner e narração de Chico Serra).