Não é incomum visualizarmos posts no LinkedIn enaltecendo ou criticando os últimos movimentos feitos pelo Twitter, seja pelas demissões em massa ou novos modelos de negócio que a plataforma vem explorado desde a compra de Elon Musk no dia 14 de abril de 2022. Com base nesse cenário, senti falta de uma análise mais aprofundada em relação aos motivos da venda do Twitter, as mudanças na plataforma lideradas por Musk e os impactos no mercado que reverberaram à partir delas.
O Twitter antes da aquisição de Musk
Para termos visibilidade em relação ao cenário onde Elon Musk realizou a compra do Twitter, é necessário entender como estava a empresa antes desse marco.
Se considerarmos a receita líquida do Twitter entre os anos de 2016 a 2021 podemos conferir que desde 2019 a empresa não registra lucro. Pior: Até dezembro de 2022 a receita gerada pela empresa diminuiu em média 40% de ano a ano, mostrando pouca lucratividade e falta de formas sustentáveis de manutenção de caixa. Nos últimos 10 anos, apenas em dois deles a empresa registrou ganhos (2018 e 2019) enquanto todos os outros registraram débitos significativos.
Para entender os motivos desse cenário, precisamos nos aprofundar nas formas de geração de receita que o Twitter tinha até então: como basicamente toda rede social, o lucro gerado vinha majoritariamente de anunciantes.
Em termos de usuários, entretanto, a empresa vinha registrando significativo aumento até o ano de 2021: foram mais de 312 milhões de usuário ativos por ano em 2019, e passando de 368 milhões em 2021. Vale ressaltar que além do aumento de usuários, o número de colaboradores da empresa também cresceram de forma significativa de 4.900 em 2019 para 7.500 em 2021.
A novela envolvendo as negociações
A aquisição do Twitter por Musk foi feita de forma extremamente midiática e dramática: de 9,2% das ações obtidas por ele no mês de Abril de 2022 (tornando-o o maior investidor único das ações da empresa) para a primeira oferta de compra pelo Twitter no mesmo mês por U$ 54,20 a ação, avaliando a empresa em cerca de U$ 43 bilhões. A oferta representou na época um aumento de 38% acima do preço de um dia antes do investimento de Musk no Twitter tornar-se público.
No mês seguinte, Musk realiza uma apresentação para investidores anunciando que iria quintuplicar a receita do Twitter até 2028, aumentando os ganhos anuais para U$ 26,4 bilhões.
Além disso, faz uma declaração que iria de encontro com uma das principais bandeiras divulgada por ele a frente da plataforma: de que se fosse o responsável pelo Twitter, retiraria o banimento permanente do antigo presidente Donald Trump (ação tomada, segundo o próprio Twitter, por conta do não cumprimento de regras da plataforma e incitação a violência durante a invasão do capitólio dos EUA em 2021).
Isso viria de encontro com o discurso de tornar o Twitter um local que estimula a livre expressão entre seus usuários, de forma quase irrestrita, reduzindo a moderação de conteúdo ao mínimo exigido por lei. Pelo contexto, a forma de ressaltar quando um conteúdo transmitisse informações falsas (principalmente relacionadas as eleições estadunidenses e a pandemia de Covid) pelo Twitter até então iria contra essa vertente de liberdade de expressão citada pelo empresário.
Ainda em maio, Musk alega em mais de 20% dos usuários na plataforma são bots (em desencontro com um report realizado pela Reuters que detalhava esse número como menos de 5%). Esse pareceu ser um pretexto para desistir da compra, ou pior, influenciar na venda das ações da mesma (na época caindo 12% por conta das alegações).
Em julho, o Twitter processa Musk para forçá-lo a concluir o negócio: Se fosse permitido abandonar o acordo, o empresário poderia ter sido forçado a pagar uma taxa de rescisão de U$ 1 bilhão a empresa.
Dentro desse contexto, Musk propõe um acordo para concluir a compra do Twitter em outubro, revertendo um esforço de meses para rescindir o acordo. A proposta completaria o acordo com o preço de oferta original de Musk de U$ 54,20 por ação (chegando ao total de aproximadamente U$ 44 bilhões).
Sob nova direção
Uma das primeiras ações de Musk a frente do Twitter, ainda em novembro, foi o de iniciar uma grande onda de layoffs da empresa: dos 7500 funcionários até então, em torno de 3700 seriam desligados (número atuais foram ainda mais radicais: até fevereiro de 2023 o número total de colaboradores chegou a 1800 ao todo) sobre pretexto de manutenção da saúde financeira da empresa.
Durante o mês de novembro, entretanto, houve outro importante marco da gestão de Musk: a criação do Twitter Blue, uma nova forma rentabilização dos usuário por meio de uma mensalidade de U$8 para ter acesso ao ícone de verificado na cor azul, presente no canto superior direto do nome nas contas do Twitter (até então esse recurso era usado apenas para contas verificadas de celebridades, atletas, organizações e outros). O serviço também oferece acesso a recursos premium, como a capacidade de editar tweets publicados.
Os números ainda não refletem o Twitter Blue como uma fonte de receita decisiva levando em conta o número de usuários ativos todos os meses, mas são o primeiro passo visando uma diversificação da receita da organização.
Fontes de renda
Apesar do plano de incrementar a principal fonte de receita da empresa (visando depender menos de anunciantes para um modelo de inscrição com o Twitter Blue), o novo viés de menos moderação nos conteúdos criados pelos usuários trouxe impactos significativos: com um ambiente mais caótico, muitas empresas suspenderam a compra de mídia na plataforma em um cenário já afetado pela diminuição de tempo nas redes sociais de forma geral pós pandemia.
As primeiras a abandonarem oficialmente o investimento na plataforma por conta do impacto no Brand Safety, ou a segurança na manutenção e transmissão de valores de uma marca, foram a Chipotle e a United Airlines: esse movimento veio a ser repetido por outras marcas como a própria Apple, sob alegação de que a falta de moderação tornou o ambiente da plataforma imprevisível (a empresa havia cortado até então 15% de sua equipe de ‘confiança e segurança’, responsável pela moderação da rede social).
Durante a primeira semana após a aquisição de Musk, o uso de palavras pejorativas a pessoas negras triplicou a média de 2022, enquanto as calúnias anti-LGBTQIA+ aumentaram entre 39% e 53%, e as calúnias anti-semitas aumentaram 22% durante o mesmo período.
Considerando dados mais recentes desse ano, o Institute for Strategic Dialogue (ISD) divulgou no mês de março que os incidentes de discurso anti-semita na plataforma aumentaram drasticamente desde que Musk assumiu o comando: O estudo, que usou ferramentas de machine learning para identificar prováveis tweets antissemitas, descobriu que o número médio semanal de tais postagens ‘mais do que dobrou após a aquisição de Musk’ – uma tendência que se manteve nos meses após a conclusão da posse do novo CEO. A análise encontrou uma média de mais de 6.200 postagens por semana que parecem conter linguagem anti-semita entre 1º de junho e 27 de outubro, dia em que Musk concluiu seu acordo de US$ 44 bilhões para comprar o Twitter. Mas esse número subiu para mais de 12.700 até o início de fevereiro – um aumento de 105% ao todo.
Esses tipos de números corroboram com o restabelecimento de mais de 60 mil contas do Twitter que haviam sido banidas anteriormente (muitas por violações de discurso de ódio), as quais análises feitas sugerem que muitas delas retomaram seus hábitos anteriores de tweetar, compartilhando discurso de ódio, desinformação entre outros.
Em resposta aos anunciantes deixando de investir gradualmente na plataforma, Musk fez um pronunciamento a época reforçando que a ideia por trás das recentes medidas é o de tornar o Twitter um espaço comum para todas as pessoas, independente do espectro político.
Apesar disso, uma coalizão da sociedade civil e grupos de direitos civis dos EUA fez pedidos durante o mês de fevereiro desse ano para que mais empresas se juntassem ao que dizem ser mais de 500 anunciantes que pararam de anunciar no Twitter. Para se ter ideia do impacto, menos da metade dos 1.000 maiores anunciantes do Twitter gastaram dinheiro em anúncios em janeiro de 2023: Empresas como Coca-Cola, Jeep e Unilever retiraram sua publicidade da rede de mídia social desde que Elon Musk assumiu em outubro de 2022.
Próximos passos
Durante a compra de Musk houve um aumento no número de acessos e novos usuários na plataforma, talvez muito por conta da expectativa de novidade que a movimentação trouxesse a ela, porém projeções para o decorrer de ano e 2024 mostram uma tendência na diminuição de usuários de forma geral conforme projeção abaixo:
Outra movimentação notável para o futuro é a segunda grande ação voltada a usuários da plataforma desde o Twitter Blue: um programa de “Creator Ads Revenue Sharing”. Ou seja, a distribuição de parte da receita de anunciantes para influenciadores e criadores de conteúdo da plataforma (semelhante ao que o YouTube já faz a alguns anos) conforme divulgado na semana passada.
Aparentemente a parcela dos criadores na receita publicitária será baseada em um cálculo de respostas às suas postagens e impressões mensais. Para serem elegíveis, os perfis devem ter assinado o Twitter Blue, ter mais de 18 anos, uma conta ativa por pelo menos 3 meses, um perfil completo e autenticado, e-mail verificado, autenticação de dois fatores e ao menos 5 milhões de impressões em tweets para cada um dos últimos três meses (15 milhões ao todo).
Outro fator importante a ser considerado é a perda do valor de mercado do Twitter desde a aquisição de Musk: o valor do Twitter caiu quase dois terços, conforme informou um investidor externo. Uma gestora de ativos e investidora externa, Fidelity, divulgou que sua participação de U$ 20 milhões no Twitter diminuiu para cerca de U$ 6,6 milhões durante o período. O atual valor estimado do Twitter é de apenas U$ 14,75 bilhões, enquanto a aquisição feita em outubro do ano passado foi de U$ 44 bilhões.
Além de todos esses fatores, no mês de julho tivemos mudanças relevantes em relação a forma como o usuário do Twitter poderia interagir com a plataforma: não é mais possível visualizar publicações de dentro da plataforma sem realizar o login, dificultando o compartilhamento de tweets com pessoas que não são usuários. Além disso, apenas as contas que aderiram ao Twitter Blue poderão ler até 6000 tweets por dia, enquanto as não verificadas podem visualizar até 600 postagens durante o mesmo período. Já se for um novo usuário, você ele poderá ler somente até 300 tweets por dia. De acordo com Musk, estes limites são temporários e servem para evitar a extração de dados da rede social.
Entretanto não deixa de parecer um teste sendo realizado pela empresa visando entender o limite de seus usuários e até quanto eles estariam dispostos a investir efetivamente no Twitter Blue, uma vez que seria uma forma de impulsionar o serviço de inscrição da plataforma.
O Threads
O timing, entretanto, foi perfeito para o Threads: rede social da Meta extremamente semelhante ao Twitter em si. No mesmo mês, a mais nova rede de Mark Zuckerberg ficou disponível para todos os usuários (talvez se aproveitando os recentes anúncios do Twitter) e logo após quatro dias depois de ser disponibilizado via Android e iOS, a plataforma ultrapassou 100 milhões de usuários segundo dados da Quiver Quantitative. Claro, isso se deve principalmente por conta dos usuários que já possuíam uma conta no Instagram puderam criar uma conta com extrema facilidade, aproveitando a base de usuários da rede social vizinha, mas ainda é um feito e tanto.
Apesar disso, o Threads ainda tem muito a melhorar: diversas funcionalidades já presentes a anos no Twitter ainda não estão incorporadas (como suporte a hashtags, Fediverso e mensagens diretas, que segundo Zuckerberg serão disponibilizados em breve), mas talvez a principal seja efetivamente dos usuários em si. Enquanto no Twitter é sim possível buscar por seguidores por meio do link com outras redes sociais, no Threads a opção automática direciona o usuário a passar a seguir todos os perfis a quem você segue no Instagram: ou seja, sua base de interação fica mais restrita a quem você já segue (e vice-versa).
Além disso, muitos dos usuários que inicialmente passaram a usar o Threads em seu período de lançamento também parecem começar a deixar de usar a plataforma de forma contínua (semelhante ao ocorrido no momento inicial de compra do Twitter por Musk): o site SenseTower, especializado na mensuração de aplicativos de redes sociais, apontou que o tempo do engajamento no Threads diminuiu em 50% entre os dias 08/07 e 12/07, de 20 para 10 minutos em média. Durante o mesmo período, o número de usuários ativos (DAUs, sigla em inglês) diminuiu em 20%.
Entretanto, talvez a estratégia possa não ser voltada apenas aos usuários, mas aos anunciantes: desde os receios com a mudança de política do Twitter, é possível que os investimentos fiquem mais pulverizados (a Meta agora atua como anunciante de uma gama de diferentes plataformas para atender as necessidades e especificações do anunciante por meio do Facebook, Threads, Instagram etc) e acabem afetando a rede social do passarinho azul de forma mais lenta e contínua.
Um estudo divulgado semana passada pela Website Planet trouxe informações extremamente pertinentes nesse cenário: o Threads gera mais engajamento do que o Twitter para 87% das marcas analisadas nele. A comparação foi feita analisando 30 marcas que tinham contas tanto no Twitter quanto no Threads e o desempenho de sus publicações (as marcas selecionadas deveriam ter publicado exatamente o mesmo post ou feito postagens diferentes simultaneamente em ambas as plataformas).
O resultado foi de que 87% das marcas analisadas geraram mais curtidas no Threads do que no Twitter. Em média, essas marcas receberam 8 vezes mais curtidas na nova plataforma. Outros insights também foram tirados a partir da pesquisa:
- A maioria das páginas de notícias tende a fazer postagens idênticas no Twitter e no Threads.
- O Twitter apresentou curtidas médias gerais mais altas para as postagens analisadas em comparação com o Threads. Em média, as postagens receberam 7 vezes mais curtidas no Threads do que no Twitter.
- O Threads mostrara um número médio de replies maior, com apenas 5 marcas (Universal Pictures, NY Post, Elle Magazine US, Mc Donald’s e Reuters) vendo mais comentários no Twitter do que em seu mais novo concorrente.
- Os tópicos mostraram uma taxa de engajamento média mais alta que o Twitter (0,45% vs. 0,02%).
- A marca que obteve a maior taxa de engajamento foi a Mc Donald’s, com 3,36%.
Vale lembrar do movimento semelhante que ocorreu no passado com a Meta e o Snapchat: Zuckerberg ofereceu comprar a empresa por U$ 3 bilhões, mas após a negativa recebida adaptou o formato de ‘Stories’ para o próprio Instagram. Como está o Snapchat desde então? Atualmente conta com mais de 360 milhões de usuários ativos (mais do que o próprio Twitter). Ou seja, é provável que tanto o Threads quanto o Twitter não farão com que a outra rede deixe de existir, mas sim que ambas coexistam atendendo a perfis e públicos mais específicos.
Claro, devemos ressaltar que são literalmente as primeiras semanas do Threads, mas isso não deixa de ser um fato notável para Musk. Segundo Adam Mosseri, Head do Instagram, o objetivo do Threads não é substituir o Twitter. Em vez disso, seu objetivo é criar “uma praça pública para comunidades no Instagram que nunca realmente abraçaram o Twitter”. Mosseri disse que a plataforma é voltada para comunidades interessadas em um “lugar menos raivoso” para conversas.
Segundo seu relato, “A política e as notícias ‘difíceis’ inevitavelmente aparecerão no Threads – eles também apareceram no Instagram até certo ponto – mas não faremos nada para encorajar essas verticais”, explicou Mosseri. Ou seja, aparentemente o foco será voltado ao entretenimento de forma geral, e não temas que podem despertar pautas mais fervorosas.
O futuro do passarinho azul
Com a atuação da nova CEO do Twitter, Linda Yaccarino, presente no cargo desde maio desse ano, o posicionamento da empresa pode mudar visando colher e aplicar os feedbacks dos usuários (segundo a própria Linda, ex-chefe de publicidade da NBC Universal).
Sem dúvidas um dos maiores desafios será justamente o de voltar a trazer um senso de segurança para os anunciantes no Twitter, dando manutenção a principal fonte de renda da empresa. Ao mesmo tempo, não minar a experiência do usuário por meio do direcionamento do mesmo em assinar o Twitter Blue é igualmente importante (apesar de temporário, essa ação pode empurrar cada vez mais pessoas para o Threads).