Por Nathalie Hornhardt
A Bahia é um dos estados brasileiros mais sincréticos possíveis. Lá, quem é do santo respeita quem é da igreja e vice-versa. Isso quando não fazem rituais juntos. Na segunda quinta-feira do mês de janeiro, quem lava a escadaria da Igreja Nossa Senhora do Bonfim são as baianas do candomblé.
O ritual começa com um cortejo, à frente, vão as baianas, com trajes do santo: turbantes, saias engomadas e guias, além de vasos com água de cheiro – preparada nos terreiros de candomblé – que carregam em seus ombros. Atrás delas, o tradicional bloco Filhos de Gandhi e por último, a multidão de fiéis, adeptos e admiradores do ritual, que muitas vezes nunca entraram num terreiro de candomblé. Todos vestem branco, que é a cor de Oxalá, deus Iorubá, sincretizado com Jesus Cristo e por consequência, com Nosso Senhor do Bonfim.
Católicos e filhos de santo, além de adeptos, se misturam e convivem harmoniosamente num dos rituais mais bonitos que podemos encontrar no Brasil. Na Bahia, os sacerdotes religiosos também convivem de forma harmoniosa: rabinos, padres, pais de santo, pastores, etc. Talvez seja por isso que o nome completo do estado seja: Bahia de Todos os Santos.
Mas… Infelizmente, nem tudo é perfeito. A intolerância religiosa está aí para comprovar. Nesse ano, o número de casos só cresce. Até a Bahia está dentro dessa lista, candomblecistas já sofreram ameaças de evangélicos: os mesmos ordenaram que os terreiros não podem permanecer em bairros ou ruas onde igrejas neo-pentecostais são construídas; agora, vale a reflexão: muitos dos terreiros na Bahia estão lá a pelo menos 100 anos e são tombados pelo patrimônio histórico.
No Rio de Janeiro, os que mais sofrem com ameaças e agressões são os adeptos das religiões afro-brasileiras, na sequência, os muçulmanos. Os insultos são os mais criativos e repugnantes possíveis: cusparadas, apedrejamentos, socos e ameaças de morte, simplesmente porque as vítimas andam trajadas com vestimentas de suas religiões.
Por onde anda a liberdade de expressão? O direito de ir e vir? Ou então… Onde está a religião como forma de religar os seres humanos?
A principal característica do povo brasileiro foi descrita por Guimarães Rosa: “Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio.” O povo brasileiro é sincrético e peregrina por religiões distintas de acordo com suas necessidades e problemas. No documentário Santo Forte (1999), de Eduardo Coutinho, é possível vislumbrar claramente esse traço. O brasileiro preenche sua insuficiência, o vazio de sua alma com a religião. Agora, nem isso, os pobres mortais podem fazer em decorrência de outros pobres mortais fundamentalistas religiosos que acreditam que só o Deus deles é o verdadeiro… Pobre de Deus que não pode ser reverenciado por todos… Saravá, Amém, Salaam Aleikum.
Que possamos continuar com as palavras de Mia Couto: “A vida é demasiada preciosa para ser esbajada num mundo desencantado.” Oremos: Saravá, Amém, Salaam Aleikum.
imagem: Shutterstock/Mila Supinskaya
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Pelo amor de Todos os Santos, o nome completo da Bahia, Unidade Federativa do Brasil, assim como nos demais estados, tem hoje apenas a nomeclatura Estado da Bahia.
O topônimo “Bahia” é uma referência à Baía de Todos os Santos, a qual deu o nome, originalmente, à Capitania da Baía de Todos os Santos. A capitania foi transformada, em 1821, em província. Em 1889, a Província da Bahia tornou-se o atual Estado da Bahia. Putz kkk