Em 2013, quando comecei a estudar e entender mais sobre feminismo, um dos primeiros aprendizados que tive foi que representatividade importa. Foi por isso, que na época criei a Atena Haus, plataforma de conteúdo online para incentivar o protagonismo feminino, baseada em três pilares: compartilhar conhecimento, facilitar a conexão entre uma rede de mulheres para que colaborassem em projetos profissionais e dar visibilidade a mulheres com trajetórias incríveis e que pudessem servir de exemplo e estímulo para outras.
Meu primeiro contato foi com o feminismo liberal, por meio do livro Lean In, da Sheryl Sandberg. Ela dizia o quanto é importante ter mulheres em cargos de liderança, não apenas para que decisões que levem em conta as necessidades específicas das mulheres sejam tomadas, mas também para que meninas e outras mulheres possam olhar para líderes femininas de sucesso e se enxergarem ali também.
Depois, ouvindo e lendo outros pontos de vista, entendi o feminismo interseccional, que apresenta recortes de raça e classe, além de gênero, às discussões sociais. Esse aprendizado aprofundou ainda mais minha compreensão sobre a importância da representatividade para mulheres que são ainda menos presentes em espaços de poder e na mídia.
Claro (e ainda bem) que existem pessoas pioneiras, para quem apenas o sonho e a imaginação bastam para que conquistem espaços, abrindo caminho para quem vem depois. Porém, olhar para uma posição almejada e ver que outras pessoas semelhantes a nós, com o mesmo background, as mesmas condições e as mesmas características, já estiveram ali, reforça nossa crença de que é possível e dá mais ânimo para seguir em frente.
Por isso, me emocionei com a potência e a importância da apresentação de Madonna em Copacabana no último sábado, que resumiu em aproximadamente duas horas a história de seus 40 anos de carreira. Ela foi e ainda é uma dessas pioneiras, que desde sempre quebra barreiras e expande limites do que é esperado e permitido para mulheres, tanto na indústria cultural quanto na sociedade em geral.
Mas ela vai além do que é ser mulher em nosso tempo e expande seus questionamentos à inferiorização dos códigos associados ao feminino, abraçando, assim, a comunidade LGBTQIAP+. Madonna usa sua voz – é possível encontrar na internet discursos maravilhosos em que se posiciona e explica suas motivações – mas também age e, como artista que é, faz isso destemidamente e lindamente, incorporando códigos cheios de referências à sua apresentação.
No espetáculo de sábado, tudo foi pensado e bem amarrado para amplificar seu posicionamento em relação a temas que sempre foram relevantes em sua história: jogou sua luz às pessoas a seu lado no palco: bailarinos, músicos e outros artistas pretos, latinos, trans, gays e, claro, mulheres insubmissas como ela, a.k.a. Anitta, homenageou no conteúdo dos telões personalidades progressistas brasileiras ligadas aos direitos humanos, à educação e à defesa do meio ambiente, e lembrou artistas mortos pela AIDS, muitos dos quais seus amigos, em uma época em que a doença era preconceituosamente relacionada aos gays. Consciente e à frente de seu tempo, já em 1989, incluiu em seu álbum “Like a Prayer”, uma cartilha educativa explicando que a doença poderia afetar qualquer pessoa, independente de orientação sexual, idade e cor e mostrava como se proteger.
As histórias contadas por meio de momentos de dramaturgia ao longo do espetáculo retrataram, como descrito por ela no início da apresentação, momentos íntimos e segredos que estavam escritos em seus diários e que seriam compartilhados ali com o público, passando por rejeição no início da carreira, perrengues, episódios de conflito com a lei, violências, injustiças, e, claro, fetiches, desejos, muita diversão, glamour e glórias.
A música, motivo pelo qual ganhou os holofotes e porque tantas pessoas estavam ali reunidas, foi realçada e elevada a outro patamar pela narrativa enriquecida pelo figurino cheio de significado – com destaque para o momento em que vestiu a camisa do Brasil ao lado de Pabllo Vittar – e pela coreografia dela mesma e dos bailarinos, que incorporou momentos impactantes a pequenos gestos bem pensados, que inseridos no contexto grandioso podem ter passados despercebidos, mas estavam ali.
Eu, particularmente, questiono muito os shows nos dias de hoje que envolvem muita pirotecnia e efeitos especiais, em grande parte das vezes sem sentido e usados para desviar o foco da música ruim e da falta de conteúdo do artista. Porém, Madonna faz o oposto disso e, com maestria, costura cada detalhe para potencializar sua música, a história que quer contar e, acima de tudo, as mensagens que quer transmitir.
A importância de termos uma apresentação dessa em nosso país depois de um período de retrocesso de pensamento e perda de direitos sociais e de liberdade, principalmente por grupos com pouco espaço em posições de poder e vítimas de preconceito e violência, é incomensurável.
Pra mim, como mulher de 40 anos, é ainda mais emocionante ver uma artista de 65 anos, no auge de sua energia, nos dizendo que, sim, nós mulheres podemos explorar nossos desejos, nossa sexualidade, continuar criando, produzindo e materializando projetos incríveis e significativos, com impacto na construção de um mundo melhor e mais igualitário, mesmo em uma faixa etária em que temos nossa utilidade questionada por uma sociedade ainda tão machista. Representatividade importa e me senti muito bem representada e motivada por Madonna depois desse espetáculo.