“Insecure” e “I May Destroy You” consagram atrizes all in one

Séries da HBO seguem os passos de “Atlanta” e “Fleabag”, e consagram artistas completas
"Insecure" e "I May Destroy You" consagram atrizes all in one "Insecure" e "I May Destroy You" consagram atrizes all in one

Talvez as duas grandes surpresas do ano mais inseguro e destrutível dos últimos tempos, a já longeva “Insecure” e a novíssima “I may destroy you” trazem um combo de elementos que vem agradando demais a crítica e a audiência – o que por si só já é um grande feito. Em comum, elas trazem a super bem-vinda duração de 30 min/episódio bem aproveitada por “Fleabag” (Prime Video) e um elenco majoritariamente negro, a exemplo do que vimos em “Atlanta” (Netflix) e mais recentemente em “Lovecraft Country” (HBO).

Mas o que mais chama atenção nas duas criações da HBO – que continua imbatível na qualidade de seus originais, mas segue com sérios problemas na interface de deu aplicativo de streaming – é a versatilidade de suas protagonistas. Em “I may destroy you”, a londrina Michaela Coel, 32, aperfeiçoa o bom trabalho que já tinha feito em “Chewing Gum”, acrescentando à sua veia cômica tintas dramáticas e nuances de roteiro com uma franqueza raríssima de se encontrar por aí. Vale reforçar os traços autobiográficos de IMDY: a história do abuso sexual aconteceu com Michaela em 2016. Ainda assim ela assumiu o papel de roteirista, atriz e produtora com zero autocomiseração.

Issa Rae, 35, não fica atrás: num já distante 2011, lançou no YouTube a série “The Misadventures of Awkward Black Girl”, que lhe rendeu matéria especial (“30 pessoas com menos de 30”) na revista Forbes. Roteirizou, dirigiu, atuou, produziu e pavimentou o caminho de “Insecure”, fenômeno que já conta com 4 temporadas, recebeu 79 indicações e levantou 21 troféus. Costuma ser lembrada no Globo de Ouro e no Emmy, e figura facilmente em qualquer lista das melhores séries de comédia do século. Isso porque Issa traz aquela personagem de carne, osso, rotina e imperfeições que todo mundo quer ver, e que Phoebe Waller-Bridge tão bem representou em “Fleabag”. Não é coincidência que no mesmo ano de 2016, “Insecure” também utilize a quebra da quarta parede, em momentos preciosos que a protagonista conta através de rimas exatamente o que gostaria de falar, mas não pode.

Ao trazerem ao mundo personagens tão sinceras e reais, Michaela e Issa escancaram as portas para outras criadoras de diversas origens, talentos e etnias começarem a equilibrar uma balança que sempre pendeu para o lado masculino. E elas mesmas começam a colher os frutos de seu prolífico trabalho: Issa realizou trabalhos de dublagem recente nas animações “Hair Love” e “BoJack Horseman” e protagoniza a comédia amorosa “Um crime para dois” e o drama “A Fotografia“. Cada vez mais em dia com uma agenda pautada pela bandeira da mulher negra independente e devidamente representada:

“Girls”, “New Girl”, “2 Broke Girls”. What do they all have in common? The universal gender classification, “girl,” is white. In all three of these successful series, a default girl (or two) is implied and she is white. That is the norm and that is what is acceptable. Anything else is niche.

Issa Rae

Michaela, que antes de estourar trabalhou como vendedora e faxineira, recentemente bateu o pé e recusou proposta de 1 milhão de dólares da Netflix por “I may Destroy you” por ter que abrir mão de 100% dos direitos autorais. BANG! – diria RuPaul Charles, que a recebeu em “RuPaul’s Drag Race UK” após ver a atriz fazer bonito também em “Black Mirror” (capítulos “Nosedive” e “USS Callister”) e na série-thriller “Black Earth Rising”, umas das pérolas escondidas na Netflix.

Assim como Issa e Phoebe, Michaela enxerga um caminho para a comédia muito mais coerente com seu tempo e visão de mundo:

Comedy in the past hasn’t spoken to women because it wasn’t written by women, and male writers don’t make women three-dimensional characters. Too often, women just facilitate the man’s comedy: they’re not crazy; they’re not funny. But women are as vulgar as they are elegant, as stinky as they are smelling of eau de parfum.

Michaela Coel

É, meus queridos: “All in one” definitivamente is the new black. Sorte a nossa.

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