Foi mais ou menos em 2006 que uma das minhas primas apresentou uma novidade. O Red Hot Chilli Peppers, a banda de nome cumprido e esquisito, tinha uma áurea colegial e de rebeldia ingênua na medida certa para quem se preparava para o vestibular. Se o som dos caras fosse um filme, pra mim, seria “Curtindo a Vida Adoidado”.
E foi isso que eles mostraram na décima passagem ao Brasil, na última sexta, 10 de novembro. Com o Morumbi lotado, abriram a noite tocando Can’t Stop. The Zephyr Song, puxada em seguida, e Snow ((Hey Oh)), destravaram o sentimento difícil de achar definição que estava engasgado até antes do show começar. O setlist prosseguiu com Eddie, algumas das boas canções do disco novo. Depois veio Parallel Universe, esquecida nas minhas playlists, Tell me Baby, e Don’t Forget Me, outra canção sumida, mas que voltou com força. Parecia que eu nunca tinha ouvido a música na vida!
Também foi meu primeiro show do Red Hot. E, pra mim, muita coisa ficou de fora porque eu queria ter visto e ouvido o show que eu criei na minha cabeça desde 2006. E nele, Otherside, Scar Tissue não ficavam de fora. Dark Necessities também não. Durante 1h e 30m, a minha sensação foi de uma apresentação incompleta. O desleixo da banda, charmoso quando eles pausam o roteiro aparentemente para escolher o que será tocado, mas um pouco zombeteiro quando nada parece surpreender, bateu mal. Foi um bom show, mas mesmo Under the Bridge e Give It Away, ambas tocadas no bis, não afastaram a sensação de que faltava algo… Talvez, foi a minha vibe, ou o lugar onde fiquei, sei lá.
O Red Hot tocou Terrapin, do Syd Barrett, um dos fundadores do Pink Floyd. Roger Waters, o outro inventor da lendária banda, está em São Paulo para fazer dois shows, nos dias 11 e 12 de novembro, no Allianz Parque, encerrando a sua “primeira turnê de despedida”.
Syd e Roger planejaram tudo depois de ver um show dos Rolling Stones. Viveram o sonho. Um dia, enquanto passeavam por Hollywood quando, pararam em um semáforo, Barrett disse algo assim: “só quando você perde as pessoas que ama que entende algo sobre a vida: isso não é um treinamento”.
Se pra mim o show do Red Hot foi um treino, ainda assim é curioso ver esses dois nomes dividindo São Paulo ao meio, criando um espaço físico e temporal para tocar rock, e usar a música como máquina do tempo para levar as pessoas para frente e pra trás, até os momentos onde o acorde, ou a exata melodia, virou o mundo do avesso. Mudou o sentido.
E o Roger Waters sabe como torcer a percepção das pessoas. Para o bem ou para o mal. It’s not a drill, o nome da turnê, remonta a história do Pink Floyd citando apenas Syd. Mas David Gilmour, outro gênio, é onipresente no palco: seus solos e criações permanecem como a memória que Roger é incapaz de matar. Na tentativa disso, Waters cria o show solo mais espetacular que alguém pode ver. É inacreditável! Há uma integração tão potente entre som e imagem, uma sincronia milimétrica entre todos elementos, que não se sai indiferente do estádio. Há vários momentos inesquecíveis, mas toda sequência de The Dark Side of the Moon é como ser transportado para a própria lua e avistar a terra de lá! Roger suga a gravidade com a música.
O bombardeio político do músico colabora para o impacto, independente da ideologia de quem vê. O rock é isso, não é? E Roger é um provocador. Ama esfregar na cara das pessoas o quanto elas são hipócritas, o quanto o sistema capitalista é selvagem, ao mesmo tempo em que o alimenta e também ganha muito com isso. Nas mãos de um artista menos talentoso, essa dubiedade até pode virar arrogância. Mas aos 80 anos, sem necessidade de autocrítica, depois de produzir obras-primas e tocá-las ao vivo por 2h e 30 mim, esse monstro da música tem uma mensagem mais conformada. Tudo vai acabar. As turnês de um dos maiores astros de rock da história vão acabar. Então em vez de fazer “qualquer coisa para preencher o tempo de um dia monótono, esperando que alguém lhe mostre o caminho”, ache o que dê pra salvar porque viver nesse mundo exige pouco: It’s not a drill ou isso não é um treinamento.
Será que o Red Hot Chilli Peppers existiria sem o Pink Floyd? Os dois mega shows desse final de semana não podem ser comparados. A ligação entre eles é pessoal.
Mas em 2018, logo depois de assistir o Roger Waters pela primeira vez no mesmo Allianz Parque, quando essa coisa de despedida sequer existia e o país parecia muito mais perto de acabar do que agora, bisbilhotei na agenda o quanto faltava para meu próximo show, Paul McCartney.
O beatle chega ao Brasil em dezembro. Como Roger, Paul também tem mais de 80 anos, e me parece desesperado para impedir o tempo de fazê-lo ser o aposentado dos palcos da vez, mas igualmente ciente do peso que a turnê Got Back carrega.
It’s not a drill.
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Postão Leo, que análise bacana você fez. Nunca fui fã do RW, pra mim ele faz muito mais campanha do que música, um esfirço desesperado pra re-associar seu nome ao Pink Floyd e um discurso questionador escrito em suítes luxuosas de hotéis 5 estrelas. Já o RHCP realmente parece cansado, mas os caras tem crédito. E este ano o show ficou por conta das andanças dos caras extra-shows 😁 Muito bom o texto, mandou bem ab
Ah, que demais! Muito obrigado pelo comentário, Wagner! E concordo com tudo o que você disse. Ele é isso mesmo. Mas o show… meu Deus! E também concordo super com o Red Hot. Espero muito ver de novo e sair do show mais feliz do que dessa vez…