Muito tempo atrás, em 1977, a história de uma galáxia muito, muito distante teve início. Star Wars, desde então, conta com dez filmes, três séries animadas, uma série live action, inúmeros produtos licenciados e até uma religião. E, depois de 42 anos, a saga Skywalker, o principal arco narrativo da franquia, irá se encerrar em seu nono filme: A Ascensão Skywalker.
Faltando apenas alguns dias para a estreia do filme, tenho passado muito tempo pensando a respeito e mergulhando no universo Star Wars. E, com isso, tenho refletido muito sobre a crise que a Disney enfrenta em relação a aceitação dos novos filmes.
Além de ser o filme da saga com a pior avaliação do público geral no Rotten Tomatoes, os fãs demostram seu descontentamento com Os Últimos Jedi montando um manifesto contra o filme, movimentaram o twitter e criaram um crowd founding para refazer o episódio VIII. A manifestação de insatisfação não partiu apenas de fãs. Mark Hamill, ator que interpreta Luke Skywalker, também se posicionou contra o filme. Solo, filme Spin off que conta a história de Han Solo, também foi um fracasso total de bilheteria e críticas.
Existem algumas hipóteses para a causa desses problemas que Star Wars tem enfrentado. Uma delas é o impacto da tecnologia nas narrativas, fenômeno que falei a respeito em outro artigo. Resumidamente, a forma como consumimos narrativas tem sido influenciada por video games, mídias sociais e outras tecnologias. Isso faz com que tenhamos o anseio pela “sedutora possibilidade do momento continuar por tempo indeterminado”. E, com isso, sagas e séries que dependem da ordem cronológica dos episódios, como Star Wars, acabam não tendo repercussões positivas com o público.
A Ameaça Fantasma
Mas, pra ser bem sincero, não acredito que o problema esteja apenas nos filmes em si, mas no que eles representam. Antes da Disney adquirir a Lucasfilms, George Lucas era a força divina de Star Wars, já que concedeu os seis filmes e o selo de vários Cânons (conjunto de obras consideradas genuínas e oficiais), deixando o universo de Star Wars gigante e com muitas histórias a serem exploradas. Com isso, a relação dos fãs com a franquia foi se tornando cada vez mais forte, fazendo com que surgissem práticas, crenças, valores e acordos a serem seguidos. Segundo Jürgen Habermas, filósofo alemão, isso é o que compõe uma base sócio-cultural de um sistema social. Mas todo sistema social precisa de legitimidade para se sustentar. Governos, de monarquias à democracias, por exemplo, necessitam da legitimidade de Deus ou do voto popular. E, no caso de Star Wars, a legitimidade que sustentava o sistema social era o fato de George Lucas ter criado tudo.
A Igreja Católica passou por uma crise de legitimidade a qual podemos dizer que, de certa maneira, foi parecida com a que Star Wars tem enfrentado. Isso por que, em seu auge, os representantes da Igreja passavam a mensagem de Deus, que eles tiveram acesso através de um documento, altamente exclusivo na época, chamado Bíblia Sagrada. Como apenas membros do clero e pessoas muito ricas tinham acesso, a mensagem que os fiéis recebiam e aceitavam eram coisas do tipo: me de dinheiro para não queimar nas chamas do inferno. Mas, em 1440, com a invenção da impressora, tudo mudou. Com várias cópias à disposição, a população começou a ter acesso à Bíblia e, para o azar da Igreja, tirar suas próprias conclusões. Esse movimento fez surgir diversos questionamentos sobre os comportamentos que a Igreja impunham aos fiéis. “Por que você tem o direito de decidir se vou para o paraíso ou não?” Foi, por isso, que Martinho Lutero pregou, na porta de uma igreja de sua cidade, 95 argumentos de por que as imposições, e a Igreja Católica no geral, não prestavam. Ele, com isso, se tornou figura importante para a Reforma Protestante na Europa.
George Lucas, até 2012, era a entidade que passava a mensagem de Star Wars às pessoas. Ele dizia o que fazia parte ou não do universo. O sentido geral de Star Wars, os valores que ele representa, as personagens que se desenvolveram, a história que é contada, tudo foi criado por Lucas, e isso era lei, mesmo se tivesse algo que os fãs não gostassem. A Disney, ao comprar Star Wars, desconsiderou os Cânons e tem feitos filmes diferentes da estrutura narrativa de George Lucas. Inclusive, a proposta de Os Últimos Jedi, era entregar algo totalmente novo (“Deixe o passado morrer”, disse Kylo Ren). Isso fez com que os fãs questionassem as decisões do estúdio: “Por que você tem o direito de decidir o que é Star Wars ou não?” Tudo isso por que, diferentemente de George Lucas, a Disney não tem legitimidade. Inclusive, a Disney enfrenta seus próprios (e milhares) Martinhos Lutero: pessoas que postam em seus canais do YouTube, mídias sociais e blogs o por que as decisões da Disney com relação ao Star Wars não prestam.
O Ataque dos Consumidores
Podemos dizer, então, que os fãs de Star Wars não são só consumidores de conteúdo, são prosumers: termo que Alvin Toffler criou para descrever como o papel de produtor (producer) e consumidor (consumer) se misturam na era das novas tecnologias.
Durante muito tempo, os fãs se dedicaram para ajudar a criar significado a Star Wars. São inúmeros canais no YouTube, páginas no Instagram e eventos para falar sobre a saga. Na era do prosumer, todas as teorias criadas e discutidas a respeito dos filmes foram o jeito dos fãs praticarem Star Wars. Quando Os Últimos Jedi chega pra dizer que eles estavam errados e o caminho que a Disney vai seguir é completamente diferente das práticas, crenças, valores e acordos criados entre Lucas e os fãs, é de se imaginar que haverá alguma revolta.
Esse movimento não afetou apenas Star Wars. A relação entre produtores e fãs tem sido abalada. O roterista e diretor de Logan, James Mangold, tweetou: “No momento em que o trabalho de escrever e dirigir grandes franquias se tornou o equivalente emocional de escrever um novo capítulo da Bíblia (com o provável perigo de ser apedrejado e chamado de blasfemador), muitas mentes mais ousadas vão deixar esses filmes com os corporativos.”
Uma nova esperança
Mas, eu acredito, a era de prosumers pode ser vista como oportunidade, ao invés de um problema. Penso assim por que a Disney lançou seu próprio serviço de streaming, o Disney+, e, como bem sabemos, isso pode ser uma ferramenta poderosa para conhecer seus consumidores. Claro que saber o que os fãs de Star Wars assistem, ou quanto tempo eles perdem até decidir o que assistir, não resolve uma crise de legitimidade. Mas uma estratégia de conteúdo voltada pra isso, pode ser uma saída.
E a série derivada de Star Wars, The Mandalorian, exclusiva do Disney+, traz indícios de que a Disney já está pensando nisso. Ao assistir a essa maravilhosa série, podemos ver que cada episódio traz referências cinematográficas diferentes, mas sempre com elementos dos filmes entre I e VI. Além de que The Mandalorian conta com um elemento extremamente viral: o fofíssimo Baby Yoda.
Além disso, a série já está evitando um pouco a dependência da ordem cronológica (começando e fechando um arco em um mesmo episódio) e tem mantido a estrutura narrativa da trilogia original (a jornada do herói, de Joseph Campbel).
Com certeza a Disney, sendo assim, já está avaliando a reação dos fãs com a série. E ainda existe muito a ser explorar. Com uma comunidade que sempre colaborou com a construção do significado de Star Wars, imagina algo na mesma linha de Black Mirror: Bandersnatch, onde os próprios espectadores interagem com a história. Isso pode gerar um conhecimento enorme dos prosumers da franquia, além de entregar um conteúdo que empodere os fãs.
Enfim, ainda me questiono se, como a Igreja Católica, Star Wars vai conseguir se remodelar e superar sua crise. Espero que a Disney consiga rever algumas coisas e comece a dialogar com a era do prosumer e se aproximar dos fãs e tudo que a história criada por George Lucas representa. E, obviamente, não vejo a hora de assistir A Ascensão Skywalker.
Peço perdão pelos subtítulos manjados, que a força esteja conosco.
Fala, Fernando! Olha, a reflexão é legal, mas – infelizmente – o texto fica muito preso às suas convicções e, no caso da Igreja, a um raso conhecimento. Se em mais de um milênio, como você diz, a mensagem da Igreja fosse exclusivamente essa punitiva e cheia de cobiça, a Europa não teria sobrevivido a todos ataques sofridos na Idade Média, com os Bárbaros e tantos outros episódios vividos pela sociedade em que, não apenas a Igreja, mas homens e mulheres seguidores de um tal Jesus reergueram a sociedade com muito trabalho, amor às suas pátrias e às suas famílias. Por favor, Fernando, não seja leviano em seus textos. Não retrate uma instituição tão grande de forma irresponsável e em tão poucas linhas. É apenas uma dica, de um fiel leitor, que curte o site e respeita o trabalho de todos vocês. Quero continuar vendo conteúdos bons…beleza? Não leve a mal minhas palavras.
Se quiser ler mais sobre o assunto, te recomendo os livros do prof. Daniel Rops ou, não tendo oportunidade de adquirir uns desses, leia “As grandes mentiras sobre a Igreja Católica”, do Alexandre Varella – é mais resumidinho, mas com bastante conteúdo.
Um grande abraço!