Minha obsessão vigente são transições.
“Passagem de um estado ou lugar, a outro”
Eu sei, parece uma coisa bem boba pra ficar obcecado. Mas depois que você começa a prestar atenção nas transições que existem por aí, e começa a perceber quais são boas e quais não são, o negócio fica interessante pacas.
Por exemplo, seu dia pode começar com algumas transições trágicas.
Pé-pé-pé-pé… o maldito despertador que parece um alarme de evacuação do quarto. Ou pior: alguém que simplesmente acende a luz quando você estava bem no meio daquele sonho bom. Ou aquela primeira água fria que sai do chuveiro.
Você passou de um estado a outro sem cerimônia nenhuma, quase que instantaneamente. Um corte seco, do preto para o branco.
Agora, se você tivesse um dimmer no quarto, que fosse iluminando o ambiente bem devagarinho, ou um daqueles app-despertadores que detectam o melhor momento para te acordar, baseado na sua movimentação na cama e ainda com uma musiquinha suave, seu dia inteiro poderia ser diferente. E é essa consequencia, muito maior do que o fato em sí, que é o que faz das transições uma coisa tão interessante.
Os aviões, logo antes da decolagem, desligam as luzes dentro da cabine. Procedimento normal. O cara que tem medo de avião, já pensa: o que aconteceu? Pane elétrica justo agora que a gente vai decolar? Será que esse avião é tão velho que precisa apagar a luz para poder decolar? Vou morrer. É hoje, paciência.
Agora, nos modelos mais modernos, existem transições em tudo: as luzes diminuem suavemente. Passam de branco para um azul celestial, oxigenado. A campainha de apertar os cintos não é aquela de bellboy de hotel, mas sim um som tranquilo. O video do que fazer em caso de emergência é tão tranquilo que o avião pode até cair porque provavelmente vai ser uma experiência muito agradável. Pequenos cuidados invisíveis que tem o poder de transformar pânico em prazer, só pelo fato de te carregar de um estado a outro, pela mão.
Depois que você começa a distinguir as transições boas e ruins no seu dia-a-dia, você passa de nível. Sai do “transitions beginner” e começa a perceber o que faz uma transição ser boa.
Strip-tease.
Ê transição boa, bem pensada.
Um plano diabólico e infalível para tirar você de um estado e certamente colocar em outro.
E qual o segredo dessa poderossísima transição? Ela deeeeeeemmmmmoooooorraaaaaa. O que nos faz pensar na importância da duração nas transições. Qual o tempo ideal de uma transição? Muito longa passa do ponto. Não é fácil. Viu como a coisa tá ganhando proporção?
Quer outro exemplo matador?
A embalagem do iPhone.
Você sai da loja com seu iPhone novo, muitas vezes depois de enfrentar um tumulto, filas, vendedores mal treinados e vai para casa. O caminho tá péssimo, trânsito. Você chega em casa suando, esbaforido, louco para abrir seu brinquedinho novo. A Apple quer você assim? Com esse jeito de quem vai abrir a embalagem com os dentes? Não, claro que não. Calma, esse momento é importante demais, único. Sua vida vai mudar, não estrague esse momento! Você está prestes a colocar suas mãos em um aparelho mágico. O que a Apple faz então?
Uma embalagem com pressão negativa.
Você puxa a tampa, mas ela não vem logo de cara. Ela escorrega. E bem devagarinho… leva bem uns 2 ou 3 segundos até deslizar completamente pelas paredes da caixinha e finalmente revelar seu iPhone.
Se você puxar, ela trava. Tem que esperar ela deslizar. Esses 3 segundos não pertecem à você. Esses 3 segundos são da Apple. Pode sentar, trate de se acalmar, porque quem manda nesses 3 segundos é a Apple.
Isso… é transição.
Unboxing? Strip-tease de geek.
Assiste os primeiros segundos deste video:
E olha o que acontece quando o cara não consegue ser resgatado de um estado para outro:
Você vê um video desses e já sabe como esse sujeito namora.
Transições são rituais. Pensa em maquiagem. Pensa em cinema. Pensa em trilha. Pensa no nosso novo layout. Pensa em meditação. Pensa em balada, em dança. Casamento. Divórcio. Tudo isso é transição. De um estado para outro.
O que nos leva ao nível advanced, que é quando você passa a entender transições do ponto de vista filosófico, com momentos de vida, com mudanças entre gerações, governos. Pandemias. Vida.
Com o mundo inteiro… passando de um estado, para outro.
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poxa, que compreensão do movimento da vida. amei.
Que bom! Obrigado Carla, boas transições pra vc!
caramba, muito bom!
Muito bom o texto.
Putz! Que ducaralho isso!
Já se perguntou porque no cinema o corte mais utilizado é o corte seco? Já reparou como cineastas iniciantes tendem a usar a transição sem nenhum critério, colocando fades entre boa parte dos planos? a transição suave é necessária em certos momentos, ela atenua. Mas no geral, a vida precisa ser contundente, cada momento precisa ser contundente. O homem não precisa de uma transição macia para encarar a vida, o homem precisa estar consciente, desperto. E os cortes secos são tapas na cara. Algo forte acontece algo ali, e sem nenhuma transição já é precedido por algo ainda mais forte. Não exagere nas transições suaves.
Vcs são demais. Sério. Esse post superou tudo!