Outro dia, vi um filme que todos deveriam ver. Especialmente aqueles que seguem alguma doutrina religiosa. O filme é “Conclave”, lançado em 2024 e dirigido por Edward Berger.
Ele narra um rito importante e recorrente para a Igreja Católica. Quando o Papa vem a falecer, abre entre os cardeais a necessidade de se isolarem longe de influências externas, para eleger o novo indivíduo que ocupará a posição. Inaugura-se assim um conclave para essa eleição do novo Papa.
O personagem principal, cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes, tem uma frase no início do enredo que é brilhante:
“Nossa fé é uma coisa viva precisamente porque anda de mãos dadas com a dúvida. Se houvesse apenas certeza e nenhuma dúvida, não haveria mistério. E, portanto, nenhuma necessidade de fé.”
Essas palavras ecoaram muito além da telinha. Fiquei pensando em dos temas, que formam uma dualidade: certeza e dúvida. Por um lado, a convicção plena em um Deus criador do universo, partilhada pelos cristãos. E por outro, como Lawrence diz, sem dúvida, não haveria fé. Sem dúvida, sem incertezas, não teríamos nada para estender nossas mãos na esperança de achar um sentido na imensidão do cosmos e em nossas imperfeições.
Aí que me veio o pensamento subsequente. Imaginem um profissional no mundo corporativo que se deixa ser influenciado majoritariamente por certezas e vaidades. Na visão deste personagem, o correto é atuar dentro de seu viés etnocentrista, inflexível a diferenças culturais e incertezas provenientes de cismas. A certeza é especialmente perigosa para quem trabalha com marcas, como nós, e para quem quer entender de gente.
Albert Camus reforça essa ideia no seu livro “A Queda”. A raiz de sua narrativa é: nenhum ser humano é perfeito, nem mesmo aquele que se denomina como inocente. O inocente é meramente uma representação falsa do profundo vácuo e da existência da dúvida dentro de todos nós.
Mas, enfim, voltando para meu ponto. Existem ocasiões em que tais profissionais obedecem a sua vaidade corporativa para realizar, por exemplo, um rebranding. Essa obstinada crença interna de que uma marca precisa mudar é um exemplo perfeito dos perigos da certeza. É como aquele jogador de futebol que só olha para a bola, ignorando seus colegas. O cardeal Tedesco, outro personagem do filme, espelha um comportamento similar ao atacar dissidentes que cometem um ataque contra a Igreja. Ele demoniza e cria separações brutais contra crentes de outras religiões, afirmando que o novo papa deveria cultivar uma visão muito conservadora frente a certos grupos. Até que um outro personagem o destrona com sua visão influenciada por mais dúvidas do que certezas. Com uma proposta por mais igualdade e progresso.
Impossível, pelo menos para mim, sair de um filme como esse e acreditar que vi apenas a narrativa sobre um conclave passado no Vaticano e ponto.
Talvez eu “minhoque” mais do que o necessário, porém sinto honestamente que enfrento um “conclave” quase todo dia nos projetos em que me envolvo aqui na empresa. E nesses momentos, certezas rígidas a priori são o inimigo mortal da criatividade e abertura de caminhos invocadores. O que fica ainda mais fortalecido para mim é que a certeza é o fruto do debate em torno de dúvidas inspiradoras.
Provavelmente, não vou me esquecer tão cedo das sonoras palavras do Cardeal Lawrence. Elas vão me acompanhar, como o Raul Seixas me acompanha há muito mais tempo: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.